Um enigma chinês

Quem afirma ter entendido
completamente a mudança da política cambial chinesa está enganado (ou enganando),
em particular se acredita que seu objetivo central é impulsionar as
exportações.
Com efeito, desde seu
anúncio na semana passada o yuan perdeu
cerca de 3% do seu valor, uma gota d’água para uma moeda que, segundo os índices de taxa real de câmbio
calculados pelo BIS
, havia se apreciado 28% (descontada a inflação) desde
meados de 2011.
Posto de outra forma, o
ganho de competividade advindo desta mudança é pequeno, a menos que novas
desvalorizações venham a ocorrer, possibilidade que tem sido negada pela própria
China (já se devemos acreditar nisto é outra história). Não parece, portanto,
fazer sentido a interpretação da mudança acima mencionada, que visaria
recuperar a competitividade perdida e estimular o crescimento por meio do
aumento das exportações. Ajuda um tanto, mas é pouco perto do desafio de mover
a imensa economia chinesa, que sente o peso da queda do investimento,
particularmente no que se refere à construção civil.
Uma hipótese, talvez
mais promissora, nota a tensão entre dois objetivos conflitantes.
Há, por um lado, o
aparente anseio do governo chinês de ver o yuan
como uma das constituintes dos Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em
inglês), a “moeda” do FMI, ao lado do dólar americano, do euro, da libra
esterlina e do iene, visto como um passo para se tornar uma moeda de aceitação
internacional.
Para tanto, porém,
seria necessário que a moeda chinesa tivesse algumas características em comum
com as que fazem parte do SDR, o que, dentre outras mudanças, requereria
remover os controles de capitais hoje existentes.
Há, por outro lado, o
desejo de manter uma política monetária frouxa, considerado o (relativamente)
baixo crescimento recente da economia, assim como sinais de desaceleração à
frente. No entanto, isto só é possível, sob um regime de câmbio administrado
(como o chinês), quando há controles de capitais. Sem estes, uma redução da
taxa de juros deveria levar à saída de capitais, que, em larga medida, anularia
o efeito da queda dos juros.
A solução para este
dilema (na verdade um trilema) seria a adoção de uma taxa de câmbio flutuante,
mas o governo chinês parece relutante quanto a dar este passo.
Levando em consideração
o fraco desempenho econômico (comparado, bem entendido, ao de uns poucos anos
atrás), assim como a baixa inflação, na casa de 1,5% ao ano, há bons motivos
para crer que a moeda chinesa esteja sobrevalorizada. Caso isto seja verdade, a
mudança para o regime flutuante deveria causar uma desvalorização mais
considerável da moeda, o que parece também causar certo desconforto às
autoridades chinesas.
A mudança da semana
passada aparenta ser, portanto, uma tentativa de conciliar objetivos que são,
na verdade, inconciliáveis. Já numa perspectiva de um prazo algo mais longo, é
possível que a mudança seja apenas mais um movimento no sentido preparar o
terreno para a eventual adoção de um regime de câmbio flutuante.

Há, assim, mais dúvidas
do que certezas no que se refere aos acontecimentos da semana passada. Só
podemos saber que não se trata do fim da história: cedo ou tarde veremos nova
reforma do regime cambial chinês.
Decifra-me,
mas não agora…
(Publicado 19/Ago/2015)

16 thoughts on “Um enigma chinês

  1. Abundam cenários e aqui vai mais um: como não cortarão gastos a única maneira de evitar a explosão da dívida é reduzindo juros (juro real = crescimento do PIB , 0/2%). Terão que chamar Tombini 2 (agora pode usar como desculpa a China). O imposto inflacionário vai ajudar o fiscal. E a médio e longo prazo outro milagre tipo plano real.

  2. A economia brasileira se move a base de eventos meio milagrosos – Campos/Bulhões , Itamar/FHC/Larida, Armínio, Palocci,China. Agora estamos esperando o milagroso Levy.

  3. No fundo no fundo o Levy está sendo uma grande decepção. Fixado em fazer caixa não consegue ver (ou se vê é impotente para tratar o problema) que é o estado (em todas as suas instâncias) que tem de ser reformado. Superávits por conta de aumento de impostos só terão efeitos no curto prazo, pois serão anulados pela ineficiência do setor público.

    Levy tem que pedir o boné e sair. Acabou pra ele.

    Sds.
    M

  4. Só tenho uma certeza: isto não vai acabar bem. Está parecendo a intenção do Chico lopes de implantar a "banda diagonal exógena"!!! :/ Tem algum cheiro parecido com 1997. O banco central chinês parece acreditar que conseguirá uma transição suave para um regime de câmbio flutuante! A queda atual da bolsa chinesa mostra que a chance de suavidade deve ser remota !

    JAZ

  5. A China é importante para o mundo, pois produz grande parte das quinquilharias consumidas mundo afora. Entre as exportações e seu mercado interno de mais de um bilhão de pessoas, tornou-se uma economia gigantesca. Por enquanto sua economia está um pouco restrita, pois falta mais liberdade e criatividade para o país tomar um novo impulso e assim atingir novo patamar de desenvolvimento, semelhante à Coreia do Sul. Seus problemas são pontuais, mas seu rumo é certo e quando o país tiver mais liberdades o Yuan fará parte da cesta de moedas fortes. E eles continuarão a consumir commodities, muita coisa vinda do Brasil.

    Já o Brasil não sabe o que quer ser. Investimos pouco em educação, nossas maiores indústrias são em grande parte multinacionais, suprindo o mercado interno de 200 milhões (o que não é nada mal, especialmente com as margens de lucro por aqui) e exportando alguns componentes e produtos conforme as necessidades mas deixando os melhores cargos e salários lá fora (nada de errado com as multis, mas acho uma vergonha o Brasil não ter uma montadora de automóveis própria). Claro que nosso agribusiness é ótimo, pena que perdemos tanto com uma logística tão ineficiente. Parece que estamos satisfeitos em sermos um país “second tier”.

    Moeda estável necessita de boa condução da coisa pública, ou seja, transparência, bons princípios econômicos, bons investimentos em infraestrutura, trabalho e produtividade, e uma preocupação constante com a educação. Até lá, o Real ficará – ao Deus dará.

  6. Anonimo que ta sacaneando Chico Lopes.

    A banda dele não é uma má ideia quando se tem o volume de reservas da China. No Brasil, não deu certo justamente por isso.

    Abs
    Marcos

  7. Alex, acha que vamos manter a nota de investimento das agências de classificação de risco?

    A perda da nota de investimento em duas ou três agências seria uma catástrofe econômica?

    Vocês já estão rodando modelos com essa previsão?

    Do jeito que a política fiscal está, e com o suporte político ao ajuste cada vez menor, acho que logo o mundo perceberá que esse ajuste é para inglês ver.

  8. Alex, no seu lugar eu ja teria abandonado a profissao.
    Deve ser muito frustrante apontar os numeros, historia e usar a razao e ainda assim ter que observar todas as lambancas.

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