Os peitões da Carminha. Coluna Mário Marinho
Os peitões da Carminha
COLUNA MARIO MARINHO
Carminha é uma mulher bonita.
O corpo, quando menina e moça, fora moldado, quase esculpido, no rude agreste paraibano. Sob sol a pino, carregava lata dágua, ajudava a mãe na limpeza, tomava conta dos irmãos menores e até dava uma mãozinha na minguada horta de pouca vegetação que ajudava na alimentação da família.
Mudou-se para São Paulo e, bem alimentada, o corpo magro ganhou massa nos lugares certos. Ficou ainda mais bonita – vistosa, como se costumava dizer naquelas paragens onde morava.
Casou-se com Helson, paraibano como ela, rapaz alto, forte, eletricista de mão cheia.
Não tardou e ganhou um menino, batizado de Helomar que vem a ser a junção de Helson com Maria, primeiro nome de Carminha.
Já beirando os 40 anos, Carminha continuava vistosa. Não perdera os músculos, as pernas continuavam bem torneadas e a cor da pele era uma incrível mistura do moreno com o dourado. Cor única.
Só uma coisa a chateava: os seios.
Vitima do interminável apetite do pequeno Helomar que, até os cinco anos de idade não abria mão desse seu direito de sugar, o preço que pagou foi caro: despencaram os outrora os túgidos e desafiantes seios.
Tomou uma decisão e chamou o marido para uma conversa.
– Vou colocar silicone nos peitos.
Assim, na lata, pegou o marido de surpresa. Ante o silêncio dele, repetiu:
– Vou colocar silicone nos peitos.
– Vai não, respondeu como todo nordestino: primeiro a afirmativa, depois, a negativa.
Seguiu-se uma discussão que começou com o aspecto moral.
– Isso lá é coisa de mulher direita?
Carminha não se deixou abater.
– Eu sô direita. Ou não sou?
Carminha explicou que não gostava de seus seios.
– Ele são caídos.
– Mas eu gosto assim mesmo.
– Mas eu não gosto. Eu até tomo banho de costas para não ver o espelho.
– Bota o sutiã!
– Ah!, era o que faltava: tomar banho de sutiã.
– Tem mais – disse ele pensando ter encontrado o argumento definitivo -, isso é muito caro, nós não temos dinheiro para isso.
– Dinheiro não é problema: eu trabalho, ganho o meu dinheiro. É só uma questão de tempo.
Não tocaram mais no assunto que parecia definitivamente morto e enterrado.
Até que um dia ela anunciou para ele:
– Vais ser amanhã.
– Amanhã o quê?
– Vou colocar o silicone.
– Tá bestando, mulher?
– Cê é que vai ficar abestado. Tem um ano que tô juntando o dinheiro. Já fiz todas as consultas. Amanhã, vou lá. E já te aviso: aqui cê não vai botar a mão, vai nem tocar.
Pois não é que Carminha botou mesmo silicone?
Nos primeiros dias, sofreu com o pós-operatório. Os pontos repuxavam, doía aqui e ali, mas ela calada, nem um gemido, nem uma reclamação. Apenas andava um pouco mais devagar, mas isso ele não percebia.
Aos poucos, voltou ao normal. Gostava de tomar banho e admirar os seios. “Peitinho de menina”, orgulhava-se ela.
Helson foi ficando impaciente. Tentava encostar, mas Carminha se esquivava. Uma, duas, tantas tentativas. Carminha também estava a fim – fingia, mas queria.
Até que um dia ela concordou.
– Tá bem, nós vamos pra cama. Mas nada de pegar nos meus peitos.
– Assim não dá, esbravejou Helson já com a voz rouca de desejo.
– Então não tem.
– Tá bom, tá bom. Mas tira pelo menos a blusa. Será que eu não posso nem olhar?
– Pode não. É assim.
E assim foi. Foi bom? Foi, claro. Mas serviu para deixar Helson ainda mais aguçado.
Até que um dia, só para espicaçar, Carminha foi tomar banho e não trancou a porta. Helson, que andava louco pra ver aqueles peitos, entrou de mansinho no banheiro. Carminha notou sua presença e, como se fosse um gesto descuidado, virou-se de frente para ele – mas tampou os seios.
Houve um segundo de silêncio até sair o grito escandaloso:
– Sai daqui! O que cê tá fazendo aqui?
– Calma, calma, não precisa gritar. Que importância tem eu ver? Já vi tantas vezes.
– Esse aqui não, viu não. Nem vai ver. Sai daqui! Eu vou gritar.
Helson, para evitar o escândalo, saiu. Saiu, mas ficou no quarto, perto da porta do banheiro. Carminha saiu distraída, enrolada na toalha. O aturdido marido não perdeu tempo: arrancou-lhe a toalha e viu aqueles seios firmes, bonitos, apontando para o horizonte. Nem de longe lembrava aqueles mamões de corda que iam quase até à barriga.
Ficou louco.
– É hoje que eu pego esses mamão.
Foi tudo muito rápido: ele agarrou os dois seios, apertou, balançou e ria como uma criança que ganhou o tão sonhado presente. Foi tudo rápido, muito rápido, como rápida foi a reação de Carminha. Rápida e selvagem.
Desferiu, com toda força que o ódio e a dor podem produzir, quase assassina joelhada no chamado órgão sexual de Helton que, ao mesmo tempo que urrava, soltava os belos seios, dobrava os joelhos e procurava proteger a parte atingida. Carminha não ficou satisfeita: abriu os braços até à parede e voltou com força que desconhecia: encheu a mão na cara do pobre desafeto.
Sem as forças que a dor havia levado, Helson foi jogado no curto espaço entre a cama e a parede. Ali ficou, estatelado. Carminha se assustou, enrolou-se na toalha, saiu correndo e gritando a irmã que morava no mesmo lote.
À espantada irmã, Carminha contou o que havia acontecido. Ou pelo menos o essencial, os últimos segundos.
– Minha irmã, o Helson ficou louco, tarado. Quer me matar.
Paraibana como a irmã, porém mais baixinha e mais brava, Lindaura passou a mão num pedaço de lenha e se plantou na porta.
– Ele que venha. Vai apanhar mais que boi ladrão. Quebro-lhe a cabeça.
Mas Helson não foi. Nem se importou quando Lindaura foi buscar o menino Helomar e as coisas da irmã.
Longe do marido, com a irmã pra cuidar do pequeno, Carminha, literalmente, colocou os peitos no mundo. Era forró que não acabava mais. Festa aqui, festa ali – não faltavam festas. No fim de semana, já saía do trabalho na tarde de sábado direto para o forró. Por lá ficava e aparecia só na segunda-feira.
Era energia pura.
E ficava mais bonita, o corpo mais aprumado e mais apurado.
Helson via de longe. E ia-se definhando. Nunca gostou de bebida, mas passou a ter a cachaça como companheira e confidente de suas desgraças.
No trabalho, tornou-se relapso e distraído. Volta e meia tomava um choque. Chegou até a cair da escada.
Até que um dia, coisa que nunca fizera em tantos anos de profissão, resolveu subir na escada para tirar a pipa de umas crianças que havia agarrado na fiação.
Era fio de alta tensão.
Saiu fogo pra tudo quanto é lado. O corpo ficou balançando ao sabor das ondas de choque que produziam línguas de fogo. Até que num último estalido o corpo de Helson foi lançado longe.
Caiu morto e fumegando.
Tudo por causa do maldito silicone que Carminha, generosa, mostrou à vontade naquela terça-feira de carnaval.
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Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo
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Parabéns pelo texto! Coitado do Helson… rsrsrs
Rui Marinho
Muito bom, caríssimo Mário Lúcio!
Juro que não conhecia esse seu belo dom de contista!
Valeu! Valeu!
Abração.
Toinho
Excelente o seu conto ! Colocou-me no cenário como se fosse um espectador dessa tragicomédia ! Parabéns !