“Ao depois”, tudo restará como dantes. Por Josué Machado
“AO DEPOIS”, TUDO RESTARÁ COMO DANTES
Por Josué Machado
Das expressões arcaicas e da arte de enrolar para sempre sem blindagens, com o dedo em riste marcando os compassos.
Ao explicar que não havia pretendido blindar o eterno Moreira Franco com o cargo de ministro e que qualquer de seus auxiliares, se apanhado em maracutaias, seria afastado, o presidente Temer Lulia usou a expressão “ao depois”.
“Se houver denúncia, o que significa um conjunto de provas eventualmente que possam conduzir ao seu acolhimento, o ministro que estiver denunciado será afastado provisoriamente. AO DEPOIS, se acolhida a denúncia, e aí, sim, a pessoa, no caso, o ministro, se transforma em réu (estou mencionando os casos da Lava Jato) e, se transformando em réu, o afastamento é definitivo.”
Sim, “ao depois”, disse Lulia.
? Por que, então, promoveu o franco Moreira a ministro?
Primeiro, é claro que Temer não blindou seu velho amigo de tantas e tão luminosas histórias e nem pretende fazê-lo com os outros que integram a organização chamada PMDB. Como, aliás, tentou sem conseguir Dilma com Luizinácio.
Temer apenas afastou Moreira do juizado de primeira instância, que pode e consegue resolver rapidamente os casos denunciados, ao contrário do STF em que alguns levam anos e anos para entrar em julgamento.
? Será que é porque a denúncia da Procuradoria Geral – nas mãos do dr. Janot –, demora muitíssimo a chegar ao STF?
? Será porque o organismo esseteefiano lento e abarrotado de processos move-se com a rapidez de uma tartaruga de muletas por culpa da estrutura não preparada para resolver tantos casos criminais em pouco tempo?
Não precisaria, mas basta ver o caso do antológico Renan, da mesma organização peemebiana. Alvo de doze processos no STF, por enquanto só se tornou réu em um deles, por peculato. E depois de oito anos – oito anos. Em mais oito ou dezoito, será julgado.
? Seria o caso de lembrar o fato de que menos de 1% — menos de um por cento – dos acusados com foro privilegiado são condenados? (FGV Direito, Rio.)
Conclui-se, portanto, que Temer não blindou Moreira dando-lhe foro privilegiado – o paraíso para renans, jucás, jáderes e moreiras dessa e das outras 34 organizações registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Francamente.
Só que levará anos, muitos anos, para que as denúncias dos 77 empresários da Odebrecht se transformem em ameaça a Franco e outros políticos pela via do STF a ponto de lhes tirar o sono dos justos. Primeiro, danam-se, mas não muito, empresários e auxiliares sem foro privilegiado.
Não. Temer Lulia não blindou o Moreira amigo de todos os governos.
Mas usou a expressão “ao depois” na frase principal, que enunciou com seus dedos enristados em volteios graciosos. E a expressão “ao depois” — que significa apenas depois, posteriormente, mais tarde –, fora usada antes com o mesmo sucesso pelo santo Padre Vieira (1608-1697), por Fialho de Almeida (1857-1911), ambos portugueses, e pelos brasileiros Valdomiro Silveira (1873-1941) e Paulo Setúbal (1893-1937).
Ao depois, parece que ninguém mais o fez, além de Lulia. Fá-lo-ia se preciso fosse.
E por que não ressuscitar tão castiça expressão em nome do bom Direito e dos mais saudáveis princípios constitucionais?
(Temer pronuncia “constucionais”, sobrevoando a sílaba “ti”.).
Homessa! Por quê?
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.