A vingança dos nerds

Caso desse ouvidos aos
nossos keynesianos de quermesse, algum desavisado poderia imaginar que o país
se engajou num enorme esforço fiscal, capaz inclusive de abalar os alicerces da nossa
democracia
.
Como de hábito, só analistas que não se deram ao mínimo trabalho de checar os dados,
tão certos que se encontram sobre a verdade do mundo, são capazes de acreditar
nesta barbaridade.
Já os números mostram
uma realidade bem distinta daquela que prevalece nos corações e mentes deste
pessoal. O gasto federal, descontadas as transferências a estados e municípios,
atingiu R$ 625 bilhões de janeiro a julho de 2015, corrigidos pela inflação. No
mesmo período de 2014 este gasto havia chegado a R$ 623 bilhões também
ajustados à inflação, ou seja, apesar do mimimi,
a verdade é que o gasto federal ficou aproximadamente constante no período.
Esta conclusão
permanece mesmo se, ao invés de utilizarmos o IPCA para fazer a correção
inflacionária, usemos outra medida de inflação, mais próxima do PIB (o chamado
“deflator implícito”). A única diferença no caso refere-se à necessidade de limitar
a análise ao período até o segundo trimestre de 2015, última observação
disponível para o deflator implícito.
Não é por outro motivo
que meu amigo e colega colunista, Samuel Pessoa, afirmou recentemente que a
política fiscal “até junho ainda se situava em
terreno levemente expansionista
”.
Olhando à frente, não
há muito que nos faça crer numa reversão desta tendência. O malfadado orçamento
de 2016 prevê crescimento das despesas acima da inflação. E, muito embora o
pacote de ajuste alinhavado às pressas na semana passada contemple alguma contenção
do gasto, não será suficiente para evitar novo aumento da despesa em 2016,
mesmo na improvável hipótese de aprovação integral de todas as medidas.
Sim, o governo tem
razão ao afirmar que não pode mexer em quase 90% das despesas, sejam elas
obrigatórias, sejam elas discricionárias, porém não sujeitas ao
contingenciamento (uma verdadeira contradição em termos), restando-lhe um
espaço mínimo para gerenciar seu gasto. No entanto, não se trata de um problema
novo; ao contrário, é uma questão que nos segue pelo menos desde a promulgação
da Constituição em 1988, e que se tornou mais aguda a partir do fim da
hiperinflação em 1994.
A propósito, é bom não
esquecer que, há exatos 10 anos, o então ministro da Fazenda Antonio Palocci sugeriu
que o governo se engajasse num ajuste fiscal de longo prazo justamente para que
pudesse lidar com este tipo de problema. Esta proposta foi fulminada por
ninguém menos do que a então ministra da Casa Civil e agora presidente da
República, para quem o controle do gasto era “rudimentar”, classificando a despesa corrente como “vida”.
Se a ironia histórica
quis que a presidente tivesse que sofrer o peso de seu desleixo, a triste
verdade é que pagaremos juntos o preço de sua incúria. Perdemos 10 anos e o problema
é hoje ainda maior.

Não basta um pacote de
medidas conjurado num fim de semana. O tratamento da questão fiscal no Brasil
requer um programa de longo prazo que elimine vinculações, reforme a
previdência e imponha racionalidade ao gasto público. Não fazê-lo implica
flertar com desastres que imaginávamos não mais ter que enfrentar no Brasil.
A cada dia mais óbvio
(Publicado 23/Set/2015)

31 thoughts on “A vingança dos nerds

  1. Alex,

    Pelo amor de Deus, o que é essa PNAD?

    Desemprego crescendo com força e salario real acelerando, bem como salario nominal?

    O que poderia explicar esses dados, que contrastam com a PME, com a teoria e com o bom senso?

    Sinceramente, tenho medo de acabarmos com a PME e ficarmos somente com essa pesquisa para fotografar o mercado de trabalho no Brasil.

    O que acha?

    Economista X

  2. Prezado. Enquanto lia o seu blog, também assistia o "entre aspas"na globo news, com o economista (sic) Márcio Pochmann. É fácil entender como viemos parar numa desgraça econômica como a atual.
    E esse cara já teve o poder da caneta em sua mão. Alguém tenha piedade de nós.

  3. O salário nominal acelerar junto com a inflaçao, desde que isso se traduza em desaceleraçao real nao tem problema. Sob ponto de vista teórico, nao tem problema.

    Problema tem no salario nominal acelerar mais do que a inflacao, implicando em ganhos reais para os trabalhadores.

    Também nao gosto da PNAD e acho temerário o IBGE encerrar com a PME, nossa serie longa, confiável e cujos dados sao bons para analise da inflacao (pois sao coletados em RMs quase iguais ao IPCA).

    Bjs
    Juliana

  4. Alexandre,

    Como pode o cambio depreciar tanto e a economia piorar a recessao?

    Na faculdade a gente aprende que desvalorizacoes do cambio deslocam a IS, aumentando o produto.

    Saimos de um cambio abaixo de 2 em 2011 para um cambio acima de 4 agora. Nao entendo.

    Se puder me ajudar, agradeco.

    Att. Gilberto

  5. "Como pode o cambio depreciar tanto e a economia piorar a recessao?

    Na faculdade a gente aprende que desvalorizacoes do cambio deslocam a IS, aumentando o produto.

    Saimos de um cambio abaixo de 2 em 2011 para um cambio acima de 4 agora. Nao entendo.

    Se puder me ajudar, agradeco."

    1. Há outras variáveis movendo a IS
    2. Câmbio é uma variável endógena. Um choque negativo pode fazer a atividade contrair e a taxa de câmbio depreciar.
    3. Precisa diferenciar taxa real e nominal de câmbio
    4. Efeito da taxa de câmbio sobre exportações líquidas se dá com defasagem
    5. Há efeitos negativos sobre o balanço das empresas endividadas em dólar, inclusive uma chamada Petrobras
    6. Exportações e importações são pequenas relativamente ao PIB.
    7. Um pouco de cada e possivelmente outros efeitos que não listei aqui.

  6. Lendo seus artigos fica claro de que quem pensa diferente de você é um idiota.Parabéns você estava certo e os outros errados. E aí, o que você faria neste momento?
    O que seria necessário fazer levando em consideração a presidente que temos, o congresso que temos e o tipo de sociedade que somos?
    Na sua participação no Roda Viva todos os economistas presentes concordavam 100% entre si, mas o interessante é que no programa anterior também todos os economistas concordavam 100% entre si e discordavam das ideias que vocês defenderiam na semana seguinte.
    O problema é exatamente este, como não temos uma sociedade organizada através de um sistema politico onde se estabeleça um consenso minimo sobre um projeto de pais,prevalece quem grita mais, ou quem consegue sussurrar nos ouvidos certos.

  7. Eu não sou um idiota, ou tento não ser lendo todos os seus artigos e assistindo seus comentários, tento aprender o máximo com todos. Se eu sou um leitor do seu blog, me considere seu cliente, e clientes não devem ser chamados de idiotas.
    Esta é a questão. Hoje o debate esta interditado. Eu sou um leitor seu e você me chama de idiota apenas porque eu fiz algumas criticas.
    Nós estamos voltando ao obscurantismo das ideias. Logo chegaremos ao momento em que será impossível um programa em que dois economistas de escolas diferentes estejam presentes. Foi o que aconteceu no Globo News Painel com você e o ex-ministro Luis Carlos Mendonça de Barros. Eu concordei com você em relação à sociedade brasileira não ter o ajuste fiscal como um valor, mas concordo com ele em relação a entender que em uma democracia temos que dialogar, e não impor, nossas ideias.
    Para terminar também concordo que eu seja um idiota, mas com a vantagem de saber que mais idiota é aquele que é escravo das suas convicções. Você é um excelente intelectual, tem paixão pelas suas ideias, mas não vire um personagem.

  8. Alexandre,

    Tento entender a dinâmica dos juros de longo prazo. Tenho dificuldade de encontrar material. Li um texto do BIS e também um do FMI, mas as conclusões pareciam opostas.

    Parece-me que a questão perpassa o crescimento econômico e a relação entre a poupança internacional e a demanda por esses recursos. É por aí?

    Alguma bibliografia sobre o assunto?

    Obrigado,

    Rafael

  9. "O pior é que a PME também mostra aceleracao dos salários nominais nos últimos meses. Está esquisito."

    Alex,

    Pitaco de quem não é da área: não será que isso ocorreu porque os trabalhadores com menores salários são os primeiros a perderem o emprego?

  10. "Eu sou um leitor seu e você me chama de idiota apenas porque eu fiz algumas criticas."

    Não, eu te chamei de idiota porque você é um idiota. Suas críticas não têm nada a ver com este fato.

  11. "Não, eu te chamei de idiota porque você é um idiota. Suas críticas não têm nada a ver com este fato."

    Alex, vc precisa colocar um sistema de likes aqui nos comentários. Considere meu +1 pelo supracitado.

  12. Alexandre, você leu a sugestão da Monica Debolle? O que acha?

    ''Abandono temporariamente da meta de inflação''.

    O que você acha?

    Laura.

  13. Hoje percebe-se a real intenção sua criticar o Joaquim Levy.O senhor recebe ordens do ex-presidente Lula,para tentar derrubar o Joaquim Levy e colocar o Henrique Meirelles no lugar dele.

  14. A banda cambial móvel proposta por Monica de Bolle não funcionaria como um indexador para toda economia e não poderia alimentar mais a inflação?

  15. haha poxa, mas vc continua nao rebatendo os argumentos colocados pela tchurma Keynesiana.
    Bater em espantalho e facil – a galerinha aqui pira!!

  16. "Hoje percebe-se a real intenção sua criticar o Joaquim Levy.O senhor recebe ordens do ex-presidente Lula,para tentar derrubar o Joaquim Levy e colocar o Henrique Meirelles no lugar dele."

    Claro, mas sou regiamente pago por isto. Acabou não sobrando grana pro tal que criou a Dilma Bolada…

  17. Pós-keynesianismo não é uma imundice intelectual e a economia está longe de ser uma ciência. Por acaso o autor da pergunta sabe o que é pós-keynesianismo? Certamente não sabe.

    Óbvio que os pós-keynesianos tem espaço em qualquer lugar do mundo, muito menos do que no Brasil, mas não porque o Brasil é um cisne negro, mas porque aqui existem muitos pós-keynesianos na academia.

    Na Itália existem muitos sraffianos; na frança, muitos marxistas e assim vai. Se a tua dúvida era se heterodoxos, em geral, tem voz? Sim, eles têm e geralmente de forma proporcional à sua significância.

    Assim é a democracia.

    Um Abraço,
    Junior

  18. "Existe algum outro lugar do planeta onde pós-keynesianos tem espaço em governo ou na mídia?"

    Sim, muitos. A titulo de exemplo, procure ler o The Guardian, um dos maiores jornais do Reino Unido…informe-se melhor, ok?

  19. Gostei das respostas azedas dos quermesseiros. Apesar de ter feito apenas uma pergunta, e não uma afirmação, os caras acusaram o golpe e vestiram a carapuça. Interessante observar que o blog está monitorado por marxistas, etc.
    Outra pergunta: se não existissem universidades federais existiriam pós-keynesianos no Brasil?

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