Quem fica com as crianças? Por Ivone Zeger
Quem fica com as crianças?
Por Ivone Zeger
Decisões tomadas, malas feitas, divórcio assinado, resta o mais complicado: manter a cabeça fria e decidir como gerir a vida dos filhos.
Nos últimos 10 anos, no Brasil, o número de divórcios cresceu algo em torno de 50%. Segundo o IBGE, em 2009, foram 4.459 divórcios; já em 2010 esse número pulou para 9.317. O crescimento de separações é recorrente em todo o mundo. Quando não há filhos, separam-se os bens e tudo se ajeita mais depressa.
Mas se há filhos, duas determinações se fazem necessárias em caráter de urgência: quem deterá a guarda dos filhos e como será definida a pensão alimentícia. E o que é essa “guarda”, afinal? Quais direitos e deveres são considerados?
…quando acontece a separação, ficam as perguntas no ar: quem tomará as decisões daí para frente? Quem será o representante legal das crianças? Com quem elas vão morar? A lei diz que…
A guarda é um dos atributos do poder familiar. Isso significa que os pais são igualmente responsáveis pelas decisões tomadas em relação à sua prole – entendendo “prole” como os filhos menores de 18 anos -, devendo protegê-los, educá-los, dar afeto e todas as condições de um crescimento digno e saudável. Seja no casamento, ou relação estável, a guarda dos filhos pertence aos dois cônjuges.
Mas quando acontece a separação, ficam as perguntas no ar: quem tomará as decisões daí para frente? Quem será o representante legal das crianças? Com quem elas vão morar? A lei diz que separação judicial, divórcio ou dissolução de união estável não mudam a relação dos pais com seus filhos. O que se altera é a rotina da convivência diária, pois, obviamente, a criança não pode ser dividida em duas.
Há até pouco tempo, era de praxe, salvo exceções: o pai saía de casa e a mãe ficava com as crianças; portanto, a guarda era naturalmente conferida à mãe. Ao pai eram concedidas as visitas semanais ou quinzenais e a obrigação de pagar pensão alimentícia. Os tais finais de semana alternados não contribuem muito para o desenvolvimento de relações mais efetivas entre pais e filhos. Há casos em que um dos genitores é impedido de ver, telefonar ou ter qualquer contato com seus filhos, numa clara postura de imposição de um castigo ao ex-cônjuge, menosprezando os graves prejuízos psicológicos impostos aos filhos.
Em sentido contrário há pais que se acomodam a essa situação e, em muitos casos, faz o mínimo exigido pela lei, quando faz.
… como faz o juiz, então? Ele analisará qual dos genitores tem melhores condições de exercer a guarda. E o que exatamente significa ter “melhores condições”?…
É evidente que todas essas situações se mostram terrivelmente injustas. Pais com mais consciência e afeto queriam ampliar o tempo e a qualidade do contato e relação com seus filhos. Mães que assumiram os filhos sozinhas, e não raro tiveram de adiar suas pretensões de evolução na carreira ou começaram uma nova atividade para ajudar no sustento dos filhos depois da separação, se viram em muitos apuros, pois é humanamente impossível dar conta de tudo, manter o mesmo padrão de vida, de qualidade e de atenção.
Já porque as coisas pareciam um tanto deslocadas da realidade e das reais necessidades dos filhos, desde 2008, a lei foi alterada. A mudança mais importante diz respeito ao tipo de guarda. O artigo 1583 do Código Civil passou a determinar que….”com a separação dos cônjuges, a guarda dos filhos pode ser unilateral ou compartilhada”. A guarda unilateral, como o nome diz, é atribuída a apenas um dos genitores ou, na falta destes por qualquer razão, a quem os substitua.
E como faz o juiz, então? Ele analisará qual dos genitores tem melhores condições de exercer a guarda. E o que exatamente significa ter “melhores condições”? Para que não se resvale em critérios aleatórios e evitar que a condição financeira de um dos pais seja critério para se definir a guarda, a lei determina três fatores que o judiciário pode observar para tomar a sua decisão. Ficará com a guarda da criança aquele que melhor prouver: 1- afeto nas relações com a criança e da criança com o grupo familiar; 2 – saúde e segurança e 3 – educação. Se a guarda for unilateral, o melhor é que a decisão de quem fica com a guarda seja em comum acordo, facilitando o “clima” entre os ex-cônjuges e os filhos.
Por sua vez a guarda compartilhada tem sido festejada, digamos assim, pois ela dá ensejo à boa vontade dos pais em educar em conjunto seus filhos, colocando de lado suas diferenças. Ela determina o exercício conjunto dos direitos e deveres referentes ao poder familiar. Isso significa conquistar uma maneira de conviver em que os filhos possam desfrutar da companhia do pai e da mãe, uma vez que os pais já não moram sob o mesmo teto. A guarda compartilhada foi criada por se entender que a criança precisa de momentos de intimidade, cotidianos, com o pai e a mãe. Claro, é um desafio, mas longe de ser impossível.
O que também é importante ser dito em relação à guarda compartilhada é que ela não resulta, necessariamente, na obrigação da criança permanecer um período com o pai e outro período com a mãe, essa sim denominada “guarda alternada”. Embora o esquema esteja em alta – uma semana com cada um por exemplo – isso não é regra e tampouco é bem vista ou tolerada pela maioria dos juízes. Cada ex-casal pode pensar na maneira mais proveitosa de organizar o dia a dia, em meio aos compromissos diários, para que haja, verdadeiramente, um tempo e um espaço para os filhos.
Outro ponto importantíssimo é que pouco ou quase nada muda em relação à pensão alimentícia. Na verdade, a partir do pressuposto de que a separação aconteceu entre os pais e não entre pais e filhos, os pais devem se comprometer, na medida da possibilidade de cada um. E não se trata, necessariamente, só de “bancar” financeiramente. Inclusive, o próximo artigo versará justamente sobre o que é se comprometer “na medida da possibilidade de cada um”, lembrando que bom senso é importante para qualquer ato da vida, e muito mais quando o que está em jogo é o bem estar físico e psicológico dos filhos.
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Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP é autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas – da Mescla Editorial www.ivonezeger.com.br