O juiz popular. Por Eduardo Cunha
O juiz popular
Por Eduardo Cunha
Com este artigo que publico agora, sei que minha família e eu poderemos correr o risco de sermos ainda mais retaliados pelo juiz, mas não posso me calar diante do que acontece…
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM TENDÊNCIAS/DEBATES, FOLHA DE S. PAULO, 9 DE FEVEREIRO DE 2017
Faz pouco tempo, esta Folha publicou um artigo de Rogério Cezar de Cerqueira Leite com críticas ao juiz Sergio Moro, expressando sua legítima opinião. O juiz escreveu resposta em que criticou a Folha por dar espaço ao texto, como se a democracia comportasse que as opiniões contrárias às nossas fossem censuradas – ou seja, ou me elogie ou se cale. Essa era a lógica da resposta.
Com este artigo que publico agora, sei que minha família e eu poderemos correr o risco de sermos ainda mais retaliados pelo juiz, mas não posso me calar diante do que acontece.
Estou preso por um decreto injusto, o qual contesto através de habeas corpus e da reclamação ao Supremo Tribunal Federal, já que não houve qualquer fato novo para ensejar uma prisão, salvo a necessidade de me manter como troféu.
Minha detenção afronta a lei nº 12.043/11, que estabelece que antes da prisão preventiva existam as medidas cautelares alternativas.
Deve-se ainda levar em conta que um dos fundamentos de minha prisão veio de proposta do Ministério Público -prisão preventiva para evitar a dissipação patrimonial- incluída no chamado pacote anticorrupção. Essa medida, todavia, já foi rejeitada pela Câmara.
Para coroar, o juiz, para justificar sua decisão, vale-se da expressão “garantia da ordem pública”, sem fundamento para dar curso de legalidade ao ato ilegal. Isso, afinal, tornou-se mero detalhe em Curitiba, já que basta prender para tornar o fato ilegal em consumado.
Ocorre ainda pressão para transferir a um presídio aqueles que não aceitam se tornar delatores, transformando a carceragem da Polícia Federal em um hotel da delação.
A jurisprudência do STF não permite, pela via do habeas corpus, a supressão de instâncias, fazendo com que se leve no mínimo seis meses para que o mérito chegue ao tribunal, punindo quem está preso ilegalmente com uma antecipação de pena, sem condenação. O meu habeas corpus está no Superior Tribunal de Justiça.
Convivendo com outros presos, tomo conhecimento de mais ilegalidades – acusações sem provas, por exemplo, viram instrumentos de culpa. A simples palavra dos delatores não pode ser a razão da condenação de qualquer delatado.
Ocorre ainda pressão para transferir a um presídio aqueles que não aceitam se tornar delatores, transformando a carceragem da Polícia Federal em um hotel da delação.
Apesar das condições dignas do presídio e do tratamento respeitoso, é óbvio que a mistura de condenados por crimes violentos e presos cautelares não é salutar.
Uma das principais causas da crise do sistema penitenciário é o contingente de 41% de presos provisórios. Esse fato tende a ser agravado com a decisão do STF de autorizar o encarceramento após condenação em segunda instância.
É bom deixar claro para a sociedade que a minha segurança e a dos demais presos cautelares é de responsabilidade do juiz Sergio Moro. Ninguém questiona a existência de um criminoso esquema de corrupção; punições devem ocorrer, mas observando o devido processo legal.
Não podem ocorrer fatos tais como a entrevista em que a força-tarefa de Curitiba, quando eu ainda era presidente da Câmara, declarou minha culpa e pregou minha prisão, ignorando o fato de que eu ainda desfrutava de foro privilegiado.
Ou ainda o espetáculo deprimente da denúncia contra o ex-presidente Lula -independentemente da opinião ou dos fatos, jamais poderia ter se dado daquela forma.
Algumas propostas legislativas são importantes para combater as ilegalidades praticadas.
1) Definir com clareza o conceito de garantia de ordem pública para motivar uma prisão cautelar.
2) Estabelecer um prazo máximo para a prisão preventiva, caso o habeas corpus não subsista com o trânsito em julgado.
3) Separar os presos cautelares dos condenados.
4) Determinar a perda dos benefícios de delatores que não comprovam suas acusações.
5) Alterar a lei das inelegibilidades para quarentena de no mínimo quatro anos para juízes e membros do Ministério Público que queiram disputar mandato eletivo.
6) O juízo de instrução não pode ser o juízo do julgamento. Os processos não podem ser meros detalhes de cumprimento de formalidades para chegar a condenações já decididas de antemão.
Juízes e membros do Ministério Público devem respeito à Constituição, às leis, ao Estado democrático de Direito. A história mostra que o juiz popular ou o tribunal que lava as mãos como Pilatos não produzem boas decisões.
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EDUARDO CUNHA, ex-deputado federal (PMDB/RJ) e ex-presidente da Câmara dos Deputados (fevereiro de 2015 a julho de 2016), foi preso em outubro de 2016 pela Lava Jato, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas