O general e a gravata. Por José Horta Manzano
Fiquei encantado com a gravata do general. Não me esqueço de quando esse modelo foi apresentado ao mundo. Foi em Copenhague (Dinamarca), em outubro de 2009, no dia em que o Comitê Olímpico Internacional anunciou que atribuía ao Rio de Janeiro a organização das Olimpíadas 2016. Representando o Brasil, um grupo eufórico estava presente…
Curioso para conhecer Pazuello, o ex-ministro que eu nunca tinha tido oportunidade de ver nem de ouvir, fui dar uma espiada em seu depoimento de ontem na CPI. Devo admitir que fiquei um tanto decepcionado. Depois de tudo o que já li sobre ele, imaginava dar de cara com um General Trovão, um Figueiredo dos tempos atuais, um líder do tipo “deixa comigo, que eu mato e arrebento”. Em vez disso, o homem está mais pra Zangado, um dos anões que rodeavam a Branca de Neve, aquele que nunca sorria. Parece um Zangado falante, mas sempre de maus bofes.
Na foto tirada durante o depoimento, o general aparece de olhos fortemente avermelhados. Fica a nítida impressão de ele não ter dormido na noite anterior – o que poderia explicar o quase desmaio que sofreu à tarde. É difícil imaginar que ele tenha passado a noite se agitando num baile funk, mas é concebível que tenha ficado acordado até altas horas recapitulando as respostas que lhe tinham sido aconselhadas pelos personal trainers contratados pelo Planalto. Pode ser também que, nervoso, tenha simplesmente perdido o sono.
Fiquei surpreso com a inabilidade dos senadores para conduzir o interrogatório. O próprio interrogado parecia mais bem preparado que eles, quando deveria ser exatamente o contrário. Os inquiridores é que tinham de surpreender o convocado com perguntas inesperadas, incisivas e inescapáveis. Em vez disso, notei certa displicência entre os parlamentares, como se estivessem surpresos pelo fato de o general dar respostas firmes sem tropeçar. É verdade que senador não está necessariamente formado para a função de promotor público, mas a CPI tem como se fazer assessorar por especialistas trabalhando em tempo real. Se não o fez, foi porque não quis.
Fiquei encantado com a gravata do general. Não me esqueço de quando esse modelo foi apresentado ao mundo. Foi em Copenhague (Dinamarca), em outubro de 2009, no dia em que o Comitê Olímpico Internacional anunciou que atribuía ao Rio de Janeiro a organização das Olimpíadas 2016. Representando o Brasil, um grupo eufórico estava presente. Quando souberam do resultado, soltaram gritos e deram pulos de contentamento. Na época, a gente imaginou que fosse por patriotismo. Usavam todos esse modelo de gravata.
Como modelo, até que ela não é feia, com as cores da bandeira. Só que os primeiros usuários, além de não serem modelos de desfile de moda, tampouco eram o que se pode chamar de modelo de virtude. Os figurões mais proeminentes estão na foto acima, todos devidamente engravatados com o mesmo modelito do general. Vamos ver quem são. Da esquerda para a direita.
Eduardo Paes
Atual prefeito do Rio, é o único em atividade neste momento. Não chegou a ser preso, mas a lista das acusações de corrupção que o perseguem é longa como um dia sem comer.
Sergio Cabral
Foi governador do Rio. Condenado por corrupção e outros crimes, não só passou pela casa prisão, como ainda está lá. Condenado a mais de 200 anos de privação de liberdade, ainda deve permanecer encarcerado por algum tempo.
Carlos Arthur Nuzman
Era o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro à época. Acusado de corrupção, passou pela casa prisão em 2017.
Lula da Silva
Foi presidente do Brasil. Condenado por corrupção e outros crimes, passou pela casa prisão, onde purgou mais de ano e meio.
Orlando Silva
Dos retratados, este parece ser o mais maneiro. Foi ministro do Esporte. Teve problemas com a justiça por ter comido uma tapioca de R$ 8,30 e posto na conta da Viúva. Visto que é arraia miúda demais, não passou pela casa prisão.
Não conheço o sexto cavalheiro.
Tendo em vista a folha corrida dos primeiros portadores da gravata verde-amarela, vale indagar que motivo levou o general a enrolar essa gravata de corruptos em torno do pescoço ontem. Algumas suposições:
- Ele não assistiu à cerimônia de 2009, portanto não sabe que os que lançaram a moda são personagens pouco recomendáveis, pra dizer o mínimo.
- Imaginando que ia acabar preso, já veio paramentado para seguir os passos dos que o precederam.
- A coisa é o que parece: sabe-se lá por que, vestiu a gravata em homenagem à bandidagem.
- Distraído, saiu de casa de camisa aberta, como quem se prepara para um passeio num shopping de Manaus. Foi Bolsonaro que, ao vê-lo descamisado, emprestou sua gravata de estimação.
Pode ser alguma dessas razões. Ou nenhuma das anteriores. O distinto leitor o que acha?
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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José Horta, gostei da sua publicação no site do Caetano de Campos e resolvi conhecer melhor seus textos e entrei na sua página. Achei incrível essa sua forma humorada e irônica de analisar as situações, colocando os fatos do presente num contexto mais abrangente da história de nosso país. Realmente, é pertinente essa observação em relação à gravata no dia da bravata da CPI.
Obrigado por sua atenção, Elvira. Se você gostou, fico feliz! Boa continuação a você!
Forte abraço,
José Horta Manzano