Os estados e a sobremesa. Por Alexandre Schwartsman
Os estados e a sobremesa
Por Alexandre Schwartsman
Não é necessário um grande exercício de imaginação para concluir que este incentivo gera um equilíbrio perverso, em que o gasto de cada estado é maior do que seria sem esta garantia explícita.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 28 de dezembro de 2016
Não é a primeira vez que escrevo sobre a questão estadual. Já em 2009, na forma de uma parábola, argumentava que os estados cujas dívidas haviam sido renegociadas nos anos 90 tinham se beneficiado à custa dos estados mais pobres. Ainda assim, tentavam incessantemente obter novos privilégios, sempre culpando sua dívida por seus problemas.
Isto é, como já afirmei, falso. A dívida total dos estados correspondia a 15,5% do PIB no final de 2001; em outubro deste ano não passava de 11,3% do PIB. Em particular a dívida renegociada nos anos 90 foi reduzida de 11,7% do PIB em 2001 para 8,1% do PIB no mesmo período. Por qualquer ângulo que se examine, o endividamento estadual é bem menor do que era, embora tenha piorado de 2013 para cá.
A deterioração resulta essencialmente do aumento dos gastos do conjunto dos estados. Em 2011 estes atingiram (a preços de 2016) R$ 727 bilhões (11,8% do PIB); já nos 12 meses terminado em junho deste ano alcançaram R$ 835 bilhões (13,4% do PIB), aumento 15% superior à inflação. Dentre estes, a maior contribuição veio do gasto com pessoal, que saltou de R$ 246 bilhões (4,2% do PIB) para R$ 307 bilhões (4,9% do PIB), superando a inflação em nada menos do que 18%.
De forma mais concisa, se os estados se encontram em crise, a culpa é dos gestores que permitiram o descontrole, muitas vezes justificado com base em receitas voláteis, quando não temporárias.
Por outro lado, como se aprende em qualquer livro-texto de Economia, os incentivos importam. Neste sentido, a decisão da Câmara da semana passada de permitir nova rodada de reestruturação das dívidas estaduais sem contrapartida de medidas de ajuste fiscal não é um desastre apenas para a atual administração federal, mas também para todas que virão.
O projeto original previa que, em troca da suspensão do pagamento de suas dívidas por 3 anos, estados teriam que elevar a contribuição previdenciária de seus funcionários de 11% para 14%, adotar regimes previdenciários equilibrados, bem como eliminar incentivos fiscais e tributários, além de uma série de providências para recolocar suas contas em ordem. Nada permaneceu na versão aprovada.
É verdade que o governo federal ainda pode impor estas mesmas exigências para reestruturar as dívidas, mas, na prática, isto obriga a equipe econômica a uma negociação caso-a-caso, não só mais demorada, mas também mais difícil do que seria em um cenário de aplicação de um conjunto de regras gerais definidas a priori. As chances, portanto, que a União tenha, mais uma vez, que subsidiar os estados irresponsáveis (à custa, vale lembrar, dos mais pobres) aumentou ainda mais.
Além disto, ao novamente premiar os infratores, a decisão manda uma clara mensagem para as próximas gerações de governadores (e prefeitos): fiquem à vontade para gastar quanto quiserem; a conta, no final, será empurrada para o conjunto de contribuintes, apenas uma fração dos quais reside no estado.
Não é necessário um grande exercício de imaginação para concluir que este incentivo gera um equilíbrio perverso, em que o gasto de cada estado é maior do que seria sem esta garantia explícita.
Assim como no almoço entre amigos, todos se sentirão à vontade para pedir sobremesa, na crença cega que os demais pagarão por ela.
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• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)