Adeus, Malafaia. Por José Paulo Cavalcanti Filho
ADEUS, MALAFAIA
Por José Paulo Cavalcanti Filho
…Vivemos novos tempos. Com o indeterminado cidadão comum assumindo seu papel de fiscal dos (maus) usos e costumes de nossas elites. Razão pela qual é preciso definir práticas que protejam, Malafaia ou qualquer outro, quem for inocente. Se forem mesmo. Digo isso constrangido…
O pastor Silas Malafaia, de igreja denominada “Vitória em Cristo”, foi sexta passada conduzido à força para depor numa delegacia. Suspeito, pela Polícia Federal, de ter lavado dinheiro ilícito em operação denominada “Timóteo”. Assim apareceu, com estardalhaço, em todos os meios de comunicação. Confiou a Deus seu futuro. Mas ele, hoje, é incerto. Pelas múltiplas implicações de fatos como esse, que vem se sucedendo, vale a pena refletir com calma sobre a dimensão de espetáculo que, cada vez mais, cerca operações assim. Por suas implicações na opinião pública.
Primeiro autor a se preocupar com essa opinião pública, de forma sistematizada, foi, provavelmente, Maurice Duverger (em “Tratado de Ciência Política”). Antes dele, Maquiavel (n’ “O Príncipe”) chegou a tentar estabelecer essas relações. Mas era, então, algo ainda embrionário. Até por não haver sequer jornais, como hoje os conhecemos. Nem internet e outras mídias. Duverger inclusive definiu as relações entre opinião pública e expressão parlamentar. Compreendendo que se moldavam, reciprocamente, com relativo grau de incoincidência.
Mas só em fins do século XX dita opinião pública passou a ocupar um papel relevante para o Direito Penal. Com julgamento da Corte de Justiça da República, na França. Réus foram o ex-Primeiro Ministro, Laurent Fabius; a ex-Ministra da Administração, Georgina Dufoix; e o ex-Ministro da Saúde, Edmond Hervè. Considerados responsáveis por homicídios involuntários – mais de 400 mortos em razão de não terem sido instituídos testes de aids, entre março e junho de 1985, nas transfusões de sangue por hemofílicos. O processo foi definido como sacrificial, pela imprensa da época. Vergés, advogado das vítimas, fazia happenings ao fim de cada audiência, com militantes portando cartazes onde se lia assassinos.
Algumas questões levantadas pela defesa não foram consideradas. Como a de que o conhecimento da doença (descoberta só dois anos antes) era, então, mínimo. Ou a de que os médicos franceses, à época, sustentavam que soropositivos não poderiam transmitir essa doença por transfusões. A Justiça, pedia-se, deveria considerar esses fatos com os valores de seu tempo. O consagrado jornalista Jean Daniel, fundador da Nouvel Observateur, chegou mesmo a dizer: Há uma grande diferença entre saber e ignorar. E há uma diferença, maior ainda, entre saber e ter certeza. Mas foi tudo em vão.
A decisão da Corte (em março de 1999) acabou sendo inocentar Fabius e Dufoix. E condenar apenas Hervè. Mas nenhuma pena lhe foi atribuída. Levando o tribunal em conta o fato de já haver sofrido o suficiente, nas mãos da opinião pública. No fundo compreendendo, pela primeira vez na história jurídica, que os meios de comunicação acabaram se convertendo, hoje, em tribunais tortos. Escolhendo culpados e distribuindo punições.
Volto a nosso Brasil tentando imaginar o que acontecerá com alguns daqueles que foram atingidos por essas medidas judiciais. Sobretudo se forem inocentes. Por exemplo quem, agora, iria confiar sua fé, e seu destino, a um investigado por possíveis crimes. E que andou num camburão da Polícia Federal. Se o pastor Malafaia for mesmo culpado, que seja condenado e cumpra sua pena. Democracia é isso. Cadeia é para gente humilde e presidentes da República – iguais, todos, ante o império da lei. Mas e se for inocente? É correto? É justo?
Vivemos novos tempos. Com o indeterminado cidadão comum assumindo seu papel de fiscal dos (maus) usos e costumes de nossas elites. Razão pela qual é preciso definir práticas que protejam, Malafaia ou qualquer outro, quem for inocente. Se forem mesmo. Digo isso constrangido. Por saber que essas palavras poderão ser usadas por quem quer só impedir a continuação da Lava jato. Ou proteger corruptos notórios. Especialmente empresários e políticos. Nesse caso, seriam palavras certas em bocas tortas. Mas é preciso sejam ditas. Que, como nos versos de Fernando Pessoa (no “Quinto Império”), O futuro é já presente/ Na visão de quem sabe ver.
P.S. Bom Natal para todos.
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José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.