Passei no Vestibular. Por Meraldo Zisman
Passei no Vestibular
Por Meraldo Zisman
(Ocupem as escolas e universidades)
-Para lembrar-
(¹) Crônica publicada em 25.02.10 - Diário de Pernambuco - Caderno Opinião e Direto da Redação.
Choram os docentes, do alto e do baixo clero universitário, ativos e inativos (aposentados). Coincidentemente ou não, escrevo estas linhas em uma terça-feira de carnaval, quando a folia já está mais perto de baixar, e os nobres e a plebe, os ricos e os pobres, os governantes e os eleitores retornam à realidade do cotidiano. Quero lembrar, aqui, o estudante Alcides do Nascimento Lins, assassinado no dia 5 de fevereiro de 2010, aos 22 anos de idade, e perguntar aos meus leitores: de que vai adiantar a morte dos Alcides, junto àqueles que driblam a miséria e passam no vestibular?
Podem verter enxurradas de prantos, homenagens, crônicas, reportagens, missas, atos públicos, que de nada adiantará. Minha tese, acreditem, é a de que falta Educação no Brasil. Isto porque, em verdade, os poucos jovens marginalizados pela pobreza que chegam à Universidade e rompem a barreira da miséria são mortos, assassinados, moral ou fisicamente, cedo ou tarde, como o Alcides, filho de uma catadora de lixo.
A maioria daqueles jovens ainda acredita em nós, professores, quando dizemos: “estudem bastante para poder sair da miséria material e mental, e, desse modo, poderão ser aproveitados no mercado de trabalho”. É triste o país que faz dos seus jovens as maiores vítimas das mortes matadas, das mortes morridas, das mortes não vividas, os mártires das injustiças psicossociais. O assassinato em questão não ocorreu dentro dos muros universitários!
Quem pensa que o problema de Educação se resolve, exclusivamente, dentro das escolas, está enganado. É equivalente a um nobre, na Idade Média, julgar estar protegido do clamor dos súditos, por meio de fossos, muros, ou pontes levadiças nos castelos. Como os poderosos podem pensar em ter, como defesa do poder, o uso da tecnologia, sem melhorar a condição humana?
Não importam os tipos de defesas, as cercas eletrificadas, os sensores, as câmaras de vigilância, a internet, as seguranças particulares, todos esses paredões de nada valem quando a injustiça social penetra nas paredes de taipa de uma escola do interior, ou nos muros da Universidade. E há quem acredite, ainda, que a escola é o segundo lar, quando se sabe que o primeiro jamais existiu. O jaleco que a mãe de Alcides vestia, no dia em que foi à delegacia para depor, é o emblema da enganosa política socioeducativa e caritativa brasileira.
Quando é que vamos entender que um diploma não é um passaporte para a cidadania? Um dos sambas que Martinho da Vila canta continua sendo bastante atualizado: ‘Felicidade! Passei no vestibular, mas a faculdade é particular. Particular, ela é particular; particular, ela é particular… Livros tão caros, tanta taxa prá pagar; meu dinheiro muito raro, alguém teve que emprestar…’.
Dizem que o Brasil é um país sentimental, além de ser musical. Seja lá como for, é importante deixar claro que lágrimas não servem para ressuscitar ninguém. É preciso muito mais do que isso!
* O crime, que chocou o Brasil, aconteceu em 5 de fevereiro de 2010. Conhecido nacionalmente após ter sido aprovado em 1º lugar da rede pública na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 2007, o estudante de Biomedicina Alcides do Nascimento Lins, 22, foi assassinado com dois tiros. (Para mais informação, acesse: http://www.gabrielasoudapaz.org/memorial/442-Alcides-do-Nascimento-Lins.htm)
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. Foi um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha)
(²)Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta de Jovens. Membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, da União Brasileira de Escritores e da Academia Brasileira de Escritores Médicos. Sócio da Sociedade Internacional de Psicossomática-London. Doutor em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade de Bristol (UK). Sócio Fundador da ABMP-PE. Professor Livre Docente da Universidade Federal de Pernambuco. Cientista Visitante do Tavistock Institute.
Muitíssimo bom, o seu artigo, Dr. Meraldo. O senhor continua a ser um conhecedor do sofrimento Humano em todas as áreas.