Comprazer-nos-emos até quando? Por Marli Gonçalves
Comprazer-nos-emos até quando?
Marli Gonçalves
Eu tenho-me comprazido. Tu tens-te comprazido. Ele tem-se comprazido. Nós temo-nos comprazido. Vós tendes-vos comprazido. Eles têm-se comprazido. Comprazer, em pretérito perfeito. Comprazer, em todas as suas conjugações: exercitamos esse verbo essa semana inteira. Que está acontecendo? Estamos descontando neles nossos piores instintos?
Estamos. Estamos sim, e como estamos! Troçando com a nossa própria desgraça. Não deixa de ter explicação de alguma forma orientarmos nossa raiva para esses caras porque nos parece que se estamos nessa pindaíba é muito por conta desse tanto que o país foi roubado, saqueado. A gente já sabia ou desconfiava de vários deles. Mas agora eles estão sendo presos e expostos em praça pública como troféus de caça. Conheço gente que adoraria ter a cabeça deles empalhada pendurada na parede.
Está havendo exagero – não se pode ficar remoendo, incitando mais ódio do que eles até já merecem espontaneamente; não dá para ficar feliz com o que está acontecendo. Não tem sentido. Não faz bem para saúde. É cruel. Uma energia ruim. Embota os pensamentos, nos torna rudes, e já vem levando a atitudes fundamentalistas, reacionárias, intransigentes. Não resolve exatamente a questão.
Por exemplo, o Lula. Ele já está preso, não percebem? Imagina ele flanando lindo e maravilhoso fora dos domínios dos seus seguidores, que, aliás, estão cada vez mais escassos ou porque vêm se tocando ou porque já estão até presos mesmo? Não. Todos os amigos estão no círculo de fogo; de fora sobrou só o advogado, o seu compadre. Ele não pode ir mais a lugar algum sem que os fantasmas e as perguntas não respondidas o sigam bem de perto. Todos os dias lá pelas seis da manhã temer que a Polícia Federal faça toc toc em sua porta? – Acho estranha essa praxe da PF, meio maldade. Deve ser porque os pegam de calça curta, chinelão, remelinha, barriga vazia. Esposas sem maquiagem.
(Fico boba de ver que a Dilma é tão desimportante que vem dando sopa lá pelo Rio de Janeiro, e nem atenção chama mais; nem para ser acusada serve. O que lembra que sempre me incomodou muito a impressão que tínhamos dois, uma presidente eleita e um presidente operador, que ela expressamente cumpria ordens do tal grupo político agora desmantelado).
Mas, voltando ao nosso verbo, não te comprazas, não se compraza, não nos comprazamos, não vos comprazais, não se comprazam em ver as pessoas sendo esculachadas. Tá bom, exemplo: Sérgio Cabral preso, provas contundentes, tão cedo visivelmente ele não sai das grades, preso por dois (!) juízes, levantamentos completos de malfeitos. Ok.
Precisava ter sido divulgada pela polícia aquela foto dele com cabelo raspado, uniforme de presidiário? Que ele comeu pão com manteiga? Arroz com feijão? Eu penso que não. Se tivesse sido “descoberta” pela imprensa, tudo bem que reportagem é sagrada, mas aquela foto foi divulgada, dada, pela polícia! Ouvi uma jornalista dizendo que ele ”acessou” carne na hora do almoço.
Por favor, façam atenção. Isso não está certo. Não é sério. O próprio juiz Sergio Moro tem sido muito mais condescendente e quando assina suas ordens judiciais sempre ordena discrição e que o preso tenha os seus direitos garantidos.
Aquelas cenas do Garotinho se debatendo não fazem parte desse pito: são jornalísticas. Ele (e sua familinha esperta) nos deu de propósito, que aquilo não dá ponto sem nó. Valeu ver aquela teatral apresentação à beira da ambulância, perceber que ele mentiu obviamente com a ajuda de muitos para não chegar lá em Bangu, e o que, vejam só, acabou conseguindo – isso precisa ainda ser bem analisado. Que tentou subornar juiz, e que ainda vamos ver e saber muito de suas artimanhas. Com essas cenas, nós comprazemo-nos.
Comprazamo-nos, sim, mas quando vierem as soluções. Por enquanto o desmonte está só no começo. O que está ruim pode piorar porque estamos ligados também numa tomada global e aquele poste loiro que plantaram no país mais poderoso do mundo pode sim, infelizmente, nos trazer ainda muitas surpresas.
Pensando bem: esse lá é um cara que parece comprazer-se em ser desagradável.
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Marli Gonçalves, jornalista – Que nós nos comprazamos, mas no bom sentido da palavra.
SP, 2016, redemoinhos políticos
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