Salvou-se quem pôde. Por Josué Machado
SALVOU-SE QUEM PÔDE
Por Josué Machado
Satisfeitos os que podem, agora começa a tarefa patriótica de enxugar despesas do governo à custa dos que não podem.
Os políticos fazem leis macias que beneficiam primeiro a si mesmos e, em seguida, a elite judiciária com altos ganhos e privilégios para que, em troca, o feliz Judiciário empanturrado de benefícios amacie inquéritos contra a classe política. Tudo isso em acordo subentendido, à sorrelfa, como diriam eles.
Mas é lá no Afebrasilistão, país perdido entre a Ásia Central e o fim do mundo.
Por que isso ocorre? Porque entre os 594 congressistas do Afebra (para os íntimos), há algumas dúzias com extensa folha corrida e que, por isso, precisam de alguma proteção extra. Faz parte da paisagem.
Então, agora satisfeitos o Judiciário e os outros grupos mais poderosos de pressão — Legislativo, Executivo e Procuradoria da Justiça — com generosíssimos aumentos salariais garantidos para os próximos anos, o governo pode começar a enxugar as despesas.
… Aposentadoria agora só aos 65 ou 70 anos, porque com 50 não dá mais. Se depois de uns 45 anos de serviço um sujeito de 60 e poucos não puder mais carregar a enxada, culpa de pecados dele, que o bom Deus o castigou com fragilidades variadas.
Por que é assim? Porque esse pessoal graúdo e mais o da algo temida Polícia Federal poderia jogar areia na engrenagem frágil do governo se não se sentisse feliz e começasse a atrapalhar as reformas com greves, corpo mole e investigações inconvenientes.
Com eles felizes e saciados, as coisas podem progredir como querem todos juntos em prece ao glorioso Deus Mercado. Alvo: equilíbrio fiscal. Um alvo justo afinal, dependendo dos caminhos para acertá-lo.
Agora, portanto, mãos à obra com reformas da previdência e das leis trabalhistas, que esse pessoal miúdo pode chiar à vontade, porque “a gente dá um jeito de ele se acabar”, como diria Geraldo Vandré mudando de lado.
Aposentadoria agora só aos 65 ou 70 anos, porque com 50 não dá mais. Se depois de uns 45 anos de serviço um sujeito de 60 e poucos não puder mais carregar a enxada, culpa de pecados dele, que o bom Deus o castigou com fragilidades variadas. Se outro de 50 e poucos (idade com que se aposentaram os figurões) não encontrar mais emprego, que o bom Deus o ajude porque o Estado não é mãe de quase ninguém e deve se preocupar apenas com o conjunto da obra.
…E se a enxugação de benefícios ao povão não bastar, o que custará aplicar uma pequena cepeemeefe para ajudar por apenas 15 ou 20 anos?
Está bem – pensam os figurões –, nós, que mandamos no pedaço, nos aposentamos com 50 e poucos porque a ultrapassada lei atual ainda permite. Fazer o quê? Benefícios legais.
Aposentadoria integral para a moçada do Judiciário, do Legislativo, do Executivo e militares? Ora, se a lei atual permite, o que há de mal? Se mudar, a gente vê como fica.
E se a enxugação de benefícios ao povão não bastar, o que custará aplicar uma pequena cepeemeefe para ajudar por apenas 15 ou 20 anos? E um impostinho sobre os combustíveis? E um impostinho a mais sobre o consumo de água e energia? Até os aposentados do setor privado poderiam pagar um impostinho provisório extra sobre os benefícios. Por que não?
Todos os caminhos que não frustrem os bons achados são viáveis.
Procurando, sempre se acha uma solução. Por que não?
Assim é no Afebrasilistão.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.