O peladeiro Veludo. Coluna Mário Marinho

O peladeiro Veludo

COLUNA MÁRIO MARINHO

… No último dia 26 completaram-se 46 anos da morte de Veludo que foi do Fluminense, da Seleção Brasileira, do Atlético e da cachaça que o matou.

Conheci o goleiro Veludo quando ele jogou pelo Atlético de 1959 a 1961. Conheci é modo de dizer: vi alguns de seus jogos.

Pessoalmente, tive um encontro com ele nessa época, na cidade de Pedro Leopoldo, 40 quilômetros de BH, onde o Atlético fez pré-temporada no ano de 1959.

Coisa rápida: um importante “oi” a um menino apaixonado por futebol.

Há dois anos recebi o texto baixo de um apaixonado por futebol, dono de imenso arquivo, Nelson José Xavier da Silva que, volta e meia, me brinda com excelentes histórias do futebol.

No último dia 26 completaram-se 46 anos da morte de Veludo que foi do Fluminense, da Seleção Brasileira, do Atlético e da cachaça que o matou.

Vale a pena ler a a bela história contada pelo meu amigo Nelson Xavier.

“O menino Caetano adorava as peladas do Rio de Janeiro. Onde tivesse uma, lá estava ele jogando no gol. Seu companheiro de todas as horas era um menino magrinho, cabelo engomado com muita brilhantina, metido a dono do time, temperamental, esbravejador, nervosinho, chamado Armando Marques, que em todos os jogos queria Caetano no seu time.

Armando tinha motivos de sobras para ter Caetano jogando na mesma equipe. Caetano era bom demais no gol. Elástico, bom reflexo, tinha boa colocação. Bolas alta, bolas rasteiras, nada era obstáculo para ele. Tinha tudo o que se espera de um bom goleiro.

A família de Caetano era muito pobre, o menino precisava trabalhar e deixar esse negócio de peladas só para as manhãs de domingo. E assim, Caetano foi ser estivador no cais do porto com 16 anos de idade. A vida não era fácil no cais do porto. O rapaz levantava às 4 horas da madrugada, trabalhava duro carregando e descarregando navios, ganhando com isso um físico invejável.

Um belo dia, em 1947, um amigo da família, funcionário do Banco do Brasil que conhecia as qualidades do garoto, levou-o para treinar no Fluminense. Caetano era um escurinho esguio e de boa compleição física. O técnico era Gentil Cardoso e seu filho Nilton comandava o juvenil. Caetano realmente não decepcionou, fez boa figura e foi aprovado pela comissão técnica do time das Laranjeiras.

Por causa da pele escura e aveludada, a noiva de Thomé, um jogador do time de aspirantes, lhe pôs o apelido de “Veludo”. No ano seguinte era campeão pelos aspirantes. Era o reserva imediato de Castilho. Em 1950, com a convocação de Castilho para a Seleção Brasileira, Veludo ficou como titular do Fluminense e seu nome ganhou destaque nos jornais. Já era apontado como um dos melhores goleiros do Brasil. Tinha apenas vinte anos de idade.Caetano da Silva Nascimento nasceu no Rio de Janeiro em 07 de agosto de 1930.

A glória só chegou em 07 de março de 1954 durante o jogo Brasil x Paraguai, em Assunção, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo que seria disputada na Suíça no mês de junho. Aos 19 minutos do primeiro tempo salvou um gol certo, defendendo um chute a queima-roupa do ponta direita Lugo. O bombardeio guarani não parou um só instante no primeiro tempo e Veludo não deixava passar nada. De trás do gol, os paraguaios atiravam-lhe pedaços de pau, pedras, ameaçavam matá-lo a facadas, mas ele não se importava. Uma das pedras atingiu sua cabeça tendo que atuar com ela envolta por uma bandagem. O Brasil ganhou de 1×0 gol de Baltazar aos 6 minutos do segundo tempo. Veludo voltou ao Brasil como herói.

A boa atuação de Veludo o levou a ser reserva imediato de Castilho na Seleção, coincidentemente, ambos goleiros do Fluminense. Cabeção do Corinthians era o terceiro goleiro. Muita gente lamentou sua ausência contra a Hungria de Puskas, quando então a equipe magiar ganhou de 4×2. Castilho falhara, mas Veludo jamais falharia.

Um ano depois, quando maior era sua glória, um Fla-Flu apareceu em seu caminho pelo Campeonato Carioca. Naquela tarde de 18 de dezembro de 1956 o Fluminense jogava certinho e aos 24 minutos da primeira etapa, Telê bateu uma falta para Didi que matou a bola no peito e fez um gol de alta categoria.  Um minuto após, Joel escapou pela direita e chutou sem ângulo. A bola entrou entre a trave e o goleiro Veludo. Mais três minutos e Dida recebendo de Paulinho desvia de Veludo e marca o segundo gol.

Dominando a partida com tranquilidade, o Flamengo chegou aos 3×1 no último minuto do primeiro tempo. Paulinho chutou e a bola ia para fora, quando Veludo saltou espetacularmente, defendeu, mas largou a bola nos pés do próprio Paulinho que mandou para as redes. Na etapa complementar, a goleada começou a se desenhar. Aos 24 minutos através de um golaço de Dida. Aos 38 Paulinho recebe de Zagalo e faz 5×1. Aos 44 novamente Paulinho completa o marcador de 6×1. Este foi o jogo que acabou com a carreira de Veludo. O Flamengo venceu com: Aníbal, Servilho e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Paulinho, Índio, Dida e Zagalo. O Fluminense perdeu com: Veludo, Benê e Pinheiro; Vitor, Clóvis e Bassu; Telê, Didi, Valdo, Robson e Escurinho.

 Veludo deixou passar seis naquele jogo, todos frangos. Foi o fim. Acusado de suborno, de jogar bêbado, ele foi caindo pouco a pouco.

Veludo foi afastado da equipe e emprestado ao Nacional de Montevidéu, numa troca com o centroavante Ambrois, que veio também por empréstimo para o Fluminense. No Uruguai ficou apenas seis meses. Quando retornou, foi emprestado ao Canto do Rio de Niterói que era dirigido por Zezé Moreira. Veludo não teve bom ambiente no clube, pois os comentários maldosos de que era alcoólatra não deixaram que permanecesse no time da Capital fluminense.

Foi depois para o Santos F.C. onde pouco ficou. Bastou perder a primeira partida, para um locutor de grande prestígio naquela cidade e torcedor assumido do alvinegro praiano, descer o sarrafo e chamá-lo de bêbado. Veludo chegou a jogar no Santos com 38 graus de febre, com a gripe asiática que assolou o Brasil no final da década de 50. Com tanta pressão, Veludo pediu para sair.

Foi então para o Atlético Mineiro e, em seguida, retornou ao Rio para jogar no Madureira. No Renascença, time pequeno de Belo Horizonte, abandonou o futebol. Daí então, andava pelos cantos afastando-se das pessoas, cabeça baixa, usando óculos escuros para esconder os olhos vermelhos de muita cachaça. Em 1963, sentindo dores, foi operado do pâncreas.

Em 1964 adoeceu e quase morre. Quando saiu do hospital, magro, as mãos, que fizeram grandes defesas, estavam trêmulas. Abandonado pela família, o craque Didi o resgatou daquela humilhante situação, oferecendo-lhe um tratamento adequado. João Saldanha, técnico do Botafogo, permitiu que treinasse no clube para melhorar sua forma física.

O grande goleiro foi vencido pelo alcoolismo e pela hipocrisia humana. No final de sua vida, encontrava-se abandonado e desamparado, pedindo esmolas e dormindo nas frias sarjetas da avenida Nossa Senhora de Copacabana. Transformara-se em mais um mendigo da grande cidade, aquele que fora jogador da Seleção Brasileira e um dos maiores goleiros do futebol brasileiro.

Veludo não quis mais ouvir falar de futebol. Sua única boa recordação, foi ser  companheiro de um tímido menino chamado Pelé, na pensão de dona Jorgina em Santos. As glórias nada mais eram do que recortes amarelados de jornais velhos. Vivia de salário mínimo que lhe era dado pela FUGAP (Fundação de Ajuda e Garantia do Atleta Profissional). Tendo uma crise de diabete, em 26 de outubro de 1970, num belo dia de verão, aos 40 anos, Veludo deixava este mundo, somente ficando na lembrança as belas atuações do menino Caetano nas peladas do Rio.

Neste dia as peladas vestiram-se de luto.”

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo

(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)

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