Adeus, Penderama. Por José Paulo Cavalcanti Filho
ADEUS, PENDERAMA
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
Esta semana, recordamos com saudades mais um aniversário da morte de meu pai. Em um 3 de setembro. Faço isso lembrando o Engenho Penderama, onde nasceu. A ver:
Penderama é uma coleção de perdas./ O afeto que ficou preso no coração/ Um último beijo que gostaria de ter dado no velho/ Um abraço, ao menos isso,/ Que fosse mais que um abraço.
Melhor, então, considerar que tenha,/ De agora em diante,/ Um sabor menos amargo./ Caminhos que não voltarei a percorrer/ Lembranças de quem sonhei ser/ Que permanecem plantadas naqueles campos.
Passa a vida/ Todos passamos/ Nem sempre recordar é morrer./ Às vezes é apenas ir desaparecendo bem devagar.
Numa véspera de Natal, voltei ao Engenho Penderama./ Não foi a visita boa que pensei./ Porque vai longe a distância que separa memória e realidade/ E ninguém nunca volta, verdadeiramente, às terras da infância.
Muda o espaço físico,/ Nosso corpo envelhece,/ Tudo vai se perdendo.
Tentei encontrar, nos rostos de alguns meninos brincando,/ Traços de outras crianças que vejo nas ruas das cidades/ Mas encontrei só as rugas precoces de nossa Zona da Mata.
Os campos tinham marcas de abandono.
A casa-grande como que encolheu/ Acabou igual a tantas outras/ Metade ocupada por uma escola/ Metade por família de posseiros.
O terraço, enorme na minha imaginação,/ Reduziu-se a pouco mais que metro e meio de largura./ No piso, cerâmicas fora de lugar/ Decompondo-se/ Pouco a pouco/ Pedaço por pedaço/ Em um desenho ilógico.
Daquele cenário,/ Grandioso dentro de mim,/ Restou um presente dilacerado.
Procurei a infância/ E encontrei restos.
Busquei lembranças de outros tempos/ Ou promessas do futuro/ E apenas encontrei o barulho das brincadeiras de algumas crianças tristes.
Sem mais ter o que fazer, fui embora./ Tendo apenas o cuidado, antes, de acenar para alguns velhinhos que me olhavam curiosos/ Sentados nos degraus de uma escada/ Sem nem saber que, com aquele gesto,/ Estava dizendo adeus a um pedaço de minha vida.
Não fiz perguntas./ Nem era preciso./ Apenas olhei, uma última vez, aquela paisagem que já começava a se dissolver/ Silenciosamente.
Mas que só desaparecerá, então completamente,/ Quando afinal morrer o menino que um dia viu seu pai, ali,/ Sentado em uma cadeira de balanço,/ Com os olhos fechados,/ Sorrindo.