O mito da presunção da inocência (I de IV). Por José Paulo Cavalcanti Filho
O MITO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
(I DE IV)
JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO
… Quando foi admitida, limitadamente ainda assim, apenas para réus primários e de bons antecedentes. A ideia de mais uma instância nasceu, não pensando em pessoas possivelmente inocentes, mas como proteção a um torturador relés…
O Supremo Tribunal Federal vai decidir, a partir de 9 de abril, se prisões podem se dar em Segunda Instância. À luz do art. 5º, LVII da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O que exigiria julgamento em quatro instâncias, segundo muitos. A partir de uma regra de Presunção de Inocência que, no mundo real, pede reflexão mais ampla.
NOSSA HISTÓRIA. No Brasil, prisões sempre se deram em Primeira Instância. E não apenas até o Código de Processo Penal de 1941, como é usual ler nos jornais. Passando a ocorrer em Segunda Instância, na verdade, só a partir da Lei Fleury (5.941/73). Uma boa lei. Em plena Ditadura, quem diria? Quando foi admitida, limitadamente ainda assim, apenas para réus primários e de bons antecedentes. A ideia de mais uma instância nasceu, não pensando em pessoas possivelmente inocentes, mas como proteção a um torturador relés.
A regra geral da prisão em Segunda Instância, que não consta de nenhuma lei, acabou sendo construção jurisprudencial do Supremo. Por uma razão técnica. É que o recurso nas decisões em Primeira Instância, Apelação, tem efeitos Devolutivo (fazendo com que o assunto deva ser rediscutido por Tribunal) e Suspensivo (a decisão monocrática não produz efeitos, até decisão desse Tribunal).
… Ninguém deve, em qualquer situação, ser preso antes do Supremo. Posto ser inocente. É sensato ir tão longe?
Enquanto os recursos subsequentes, Especial e Extraordinário, contra decisão já desse Tribunal, apenas têm efeito Devolutivo. Determinando seja o caso reexaminado por Tribunais Superiores – STJ e Supremo. Sem interferir nas condenações. Que devem ser imediatamente executadas, para evitar o risco das prescrições. E sem que se possa rediscutir provas, por conta das Súmulas 7 (do STJ) e 279 (do Supremo). A sistemática não foi alterada com a Constituição de 1988. Suspensa em breve interlúdio (no Mensalão, quando alguns políticos muito ligados ao poder passaram a ser condenados) no HC 84.048, em 2009, voltou a se dar com o do HC 126.292, em 2016 (por 7 votos a 4).
A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA É UM VALOR ABSOLUTO?
Um homem inocente não pode ser preso. Ouviremos várias vezes essa frase, no julgamento do Supremo. Só um princípio. E, não, uma regra. Problema é que para valer, como se anuncia, e não pode aceitar uma única exceção. Ninguém deve, em qualquer situação, ser preso antes do Supremo. Posto ser inocente. É sensato ir tão longe?
…(Continua)…
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José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.
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