A curva de Rousseff

Não tenho, é claro, a
menor ilusão que a presidente da República leia minhas colunas. Aliás, considerados
seus maus-tratos à língua, não tenho a menor ilusão que leia qualquer coisa. Ainda
assim continua a ser surpreendente (ou seria “estarrecedor”?) sua insistência
em temas há muito demonstrados equivocados, em particular a suposta oposição
entre inflação e desemprego, como explorado neste espaço em meados do ano.
À época ela alegou que
a fixação da meta de inflação em 3% levaria o desemprego “lá pelos 8,5%, 9%, 10%, 11%, 12%.
Por aí
”.
Como se depreende da afirmação acima, precisão não parece ser exatamente o
forte da presidente, mas, mais recentemente, voltou à carga, agora argumentando que o desemprego
chegaria a 15%
,
aumentando assim o intervalo de confiança de suas “projeções” de 3,5 para
inimagináveis 6,5 pontos percentuais, uma margem de erro de fazer corar
qualquer pesquisa eleitoral.
As implicações da
peculiar matemática presidencial podem não ter ficado claras à primeira vista,
mas são contundentes.
Como o IPCA deve fechar
o ano na casa de 6,5%, buscar uma meta de 3% corresponderia a uma redução de
3,5 pontos percentuais da inflação. Por outro lado, dado que o desemprego se
encontra na faixa de 5%, sua elevação para 8,5% corresponderia também a 3,5
pontos percentuais, ou seja, na “estimativa” mais otimista, cada ponto percentual a menos de inflação
“custaria” um ponto percentual a mais de desemprego
.
Já no caso mais
pessimista, a elevação do desemprego atingiria 10 pontos percentuais (de 5%
para 15%) para a mesma redução (de 6,5% para 3%) da inflação, ou seja, cada ponto percentual a menos de inflação “custaria”
2,9 pontos percentuais a mais de desemprego
!
Em outras palavras, o
coeficiente que captura a presumida troca entre inflação e desemprego implícita
na curva
de Rousseff
varia de 1 a 2,9, uma diferença abissal (alguns diriam “estarrecedora”).
À parte o erro
conceitual primário (não há troca persistente entre inflação e desemprego,
conforme estabelecido por mais de 40 anos de pesquisa na área), as afirmações
presidenciais transparecem um descaso desumano (“estarrecedor”, talvez) com os
números.
Fosse eu um diplomata,
diria que as estimativas poderiam ser melhoradas; como não sou, posso afirmar:
trata-se de números chutados (isto mesmo, c-h-u-t-a-d-o-s!), sem a menor
preocupação com qualquer referência à realidade, sem base estatística e,
portanto, desprovidos da mínima relevância.
Mesmo com o devido
desconto que se dá à verdade no período eleitoral (coisa triste de se dizer),
esta postura é reveladora. A atual administração demonstra o mais profundo
desprezo para com os números. Estatísticas só valem se corroborarem a visão
pré-existente, jamais como forma de testá-la e assim permitir, caso necessário,
correção dos rumos.
Insistimos há anos que
o atual arranjo de política econômica (a tal “nova matriz macroeconômica”, algo
sumida de retórica governamental recente) redundaria apenas em menos
crescimento, inflação mais alta e desequilíbrios externos crescentes. As evidências
a este respeito eram visíveis desde 2012, ao menos, expressas no então
“pibinho” de 1% (que hoje seria motivo de comemoração) e na inflação que já
então teimava em não retornar à meta. Mesmo assim, foram ignoradas.
Dados ruins das contas
fiscais têm sido escamoteados e agora até mesmo os números de distribuição de
renda se tornaram sujeitos a interesses políticos de curto prazo, culminando
com a postergação da divulgação de pesquisas do Ipea sob o ridículo argumento que
violariam as leis eleitorais.

O resultado é que, cada
vez mais, temos que navegar sem instrumentos, enquanto se nega à população a
possibilidade de avaliar os rumos do país. Neste sentido, as “estimativas” dos
parâmetros da “curva de Rousseff” não são a exceção, mas a regra no modelo de
condução desastrada de política econômica no Brasil.
(Publicada 22/Out/2014)

9 thoughts on “A curva de Rousseff

  1. Alex,

    Boa tarde. Estou fazendo minha dissertação sobre o tema e gostaria de poder tirar uma dúvida com você.

    Quais seriam as suas sugestões de leitura para a inexistência de trade-off entre inflação e desemprego no longo prazo?

    Ao que me parece, essa é uma discussão essencialmente teórica, que se inicia nos trabalhos de Friedman e que tem continuidade nos economistas, como diria Tobin, "monetaristas do tipo 2".

    A literatura empírica, por sua vez, não independe da teoria. Em geral, impõe-se aos modelos uma curva de philips aceleracionista.

    Nos estudos em que esta imposição não é feita, os resultados por vezes surpeendem.

    A rigor, existe uma literatura de regressões com base nos resultados de diversas outras regressões. De maneira geral, espera-se que tais resultados estabeleçam uma distribuição normal ao redor do verdadeiro parâmetro, o que não ocorre. A distribuição se mostra, com frequencia, quebrada em uma das caudas, o que indica que há influência teórica muito clara nos resultados obtidos.

    Portanto, tenho minhas dúvidas sobre o quão clara é a inexistência do trade-off no longo prazo. Aceitar isto significa aceitar a historinha colocada pelos teóricos do assunto…

    O que acha?

    Abs

  2. Alex, falou muito, mas falou bonito. Que pena que precisão estimativa não angaria votos! Acho que a única teoria econômica que se aplica às ações do Executivo Federal é, infelizmente, a da Agência.

  3. teoria 48% x politica 52%

    No mundo politico o curto prazo eh 3 meses e o longo prazo eh 3 anos (ate a proxima campanha eleitoral).

    Dai, o trade-off existe na 'falta' de senso de responsabilidade dos politicos.

    Veja o debate no Congresso. O populismo eh a maior tentacao sempre – ainda que eles tenham, de fato, baixo conhecimento dos preceitos elementares da teoria economica e da gestao de longo prazo estrito senso.

  4. Alex:

    Infelizmente o que você aponta não é compilado e certamente se o for é execrado pela nossa Presidenta.
    Eu me pergunto como que um homem com a tua capacidade ainda tem animo de comentar as sandices desta caterva de imbecis…
    Só mesmo com muito amor pelo Brasil…

  5. A figurinha é legal e talvez globos de loteria ou bingos sejam boas ilustrações para números que aparecem do nada para justificar certas coisas. Ocorre que estamos no brazil e, desde o episódio famoso do congelamento de poupança do collor, o que se usa aqui – literalmente – é chapéu. Zélia Cardoso que o diga…

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