De volta a Carrópolis

Meus 18 fiéis podem se lembrar de uma coluna escrita em 2010 em que explorei as mudanças da pauta exportadora do Brasil sob
a forma de uma parábola. Contava a história de um consultor que – ignorando a
severa contração do mercado consumidor de carros, Carrópolis, e a forte
expansão do mercado consumidor de frango, Frangoburgo – tomava a queda da
participação dos automóveis nas vendas da empresa como sintoma da falta de
competitividade, muito embora esta tivesse mantido sua participação de mercado
inalterada nas duas cidades.

Em retrospecto, não era razoável esperar que a
coluna conseguisse evitar que o mesmo erro reaparecesse. É verdade que meu lado
adolescente ainda acredita na capacidade de artigos mudarem o mundo, mas a
evidência indica que se trata de futilidade: mesmo que o erro já tenha sido
apontado, continuará a ser cometido, o que não é de todo ruim, pois me dá
oportunidade para mais uma coluna contestando a sabedoria convencional.

No caso, o jornal Valor Econômico,
repercutindo um “estudo” da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB),
publicou matéria afirmando que os manufaturados brasileiros teriam perdido
participação em países da América Latina (AL). Para amparar esta conclusão
mostrou dados revelando que a fatia dos manufaturados na pauta de exportação
para países da região havia caído. Por exemplo, no caso da Argentina eram 93%
das exportações em 2007, caindo para 90% em 2011, o mesmo se observando no caso
do Chile e da Venezuela. Segundo a AEB, “isso é resultado da estratégia de
países como a China, que estão entrando de forma mais agressiva em mercados em
crescimento”.

Parece grave, mas quem refletir sobre o assunto
durante aproximadamente 9 segundos perceberá que estes números não guardam
qualquer relação com a suposta invasão chinesa, muito menos com a presumida
perda de competitividade das exportações de manufaturados brasileiros para a
região.

De fato, para saber se a indústria brasileira
está perdendo mercado na AL, precisamos de uma informação crucial, porém completamente
ausente do “estudo” (daí as aspas), qual seja, o comportamento das importações
dos países latino-americanos. Em outras palavras, se queremos entender o
comportamento das vendas de carros, precisamos, em primeiro lugar, saber o que anda
ocorrendo em Carrópolis.

Para tanto sigo as importações de 5 países da AL
(Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela), que respondem por 75% das
vendas nacionais para a região, assim como as exportações de manufaturados
brasileiros para estes países. A fatia das manufaturas nesta pauta caiu de 86%
para 80% entre 2007 e 2011, o que, segundo o prisma da AEB, confirmaria a perda
de competitividade do produto brasileiro.

Porém, o que interessa para determinar se isto
realmente vem ocorrendo é a participação das manufaturas brasileiras nas
importações de produtos manufaturados destes países.

Embora estes não divulguem a importação de
manufaturas, podemos aproximá-la pela importação ex-petróleo, na prática até
jogando contra meu próprio argumento, pois incluo os demais produtos primários
nas importações latino-americanas, enquanto pelo lado do Brasil consideramos
apenas as exportações de manufaturas.

 Apesar disto os números mostram que os
manufaturados nacionais praticamente mantiveram sua participação nas importações
da AL: eram 6% do mercado em 2007 e 5,7% em 2011, o que, convenhamos, não
condiz com a imagem do país sendo expulso de Carrópolis pela China. É difícil
superestimar a relevância deste fato, pois tais países, embora representem
apenas 13% das exportações brasileiras, absorvem 34% das exportações de
manufaturas, mais que Europa e EUA somados.

Resumindo: a suposta perda de mercado do Brasil
é apenas… suposta. Só resta saber se o erro resultou de má-fé ou mera ignorância,
mas, sinceramente, para mim tanto faz…
Ainda não entenderam
(Publicado 28/Mar/2012)

11 thoughts on “De volta a Carrópolis

  1. Análise inteligente é outra coisa, grande texto. Tive a oportunidade de vê-lo em ação outro dia no Globo News Painel, avis rara… dá pra ficar de mau humor com o que a tchurma fala, não?. Deviam colocar o câmbio em 3 por 1 e empurrar com a barriga mais uns anos… Pra quem tem a oportunidade de viajar e perceber que de uma caneta BIC, qualquer produto básico em um Walmart no exterior ou mesmo bens de maior valor a correlação de preços tupiniquins x externos, é de 3 a 4×1 … necessitamos de câmbio de 5,00 por dolar, por baixo. Esperemos que artigos como o seu cheguem a Burrópolis, mas pelo visto o efeito manada já se materializou, eleições a vista… e por aí vai… Tsunami Intelectual lá em Burrópolis.

  2. Pior é ver industrial reclamando das importações chinesas e depois, valendo-se dos mesmos chineses, criam esquema malandro para ele mesmo. Exemplifico: os sapatos chineses estavam incomodando. Os chineses que estão de olhos abertos para o comércio resolveram, então, exportar as partes do sapato: a sola, a parte de couro ou plástico, etc. Bom: quem compra as partes do sapato? Aquele industrial que ontem reclamava da competição desleal. Naturalmente, agora eles poderão bater na tecla idiota de que o câmbio é o problema.

  3. Post Reuters 18.08
    Prezado Alexandre.. e quando for necessario o capital pra financiar Burrópolis?

    "I'm very distressed about Brazil right now," said John Welch, emerging markets strategist and executive director at CIBC World Markets. "They are trying to get the dollar higher at a very high cost to the government and the country."

    The market has had a bit of a run and investors don’t trust it so they are trying to find anything to get out," said CIBC's Welch.

  4. Prezados, deixe eu compartilhar algo com vocês:

    http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1256

    Estudo a escola austríaca por hobby, mas não sou lunático, nem fanático, gosto de Hayek, de Mises, mas não os venero. Primo pela lógica e pelos fatos acima de tudo.

    Havia visto este post neste site que se diz "austríaco". O post é uma afronta à razão. Interpreta Friedman de maneira completamente equivocada, é analfabeto em relação ao escopo dos métodos quantitativos, e ainda fala algo trivial como se fosse A teoria econômica: se a demanda aumentar preços aumentam.

    Todavia, como sabemos, preços são definidos por oferta e demanda… então, supondo uma oferta perfeitamente elástica por exemplo, aumento de demanda não implica em aumento de preços. Fora do ambiente concorrencial também é fácil pensar em inúmeros exemplos em que aumento de demanda não implique em aumento de preços.

    Eu e outro indivíduo tentamos mostrar esse fato para os lunáticos mas fomos censurados (eles não divulgam todas as respostas) e a conversa se deu como se conversássemos com asnos arrogantes. Os sujeitos não sabem um conceito sequer de lógica, falam tudo sem qualquer preocupação, não sabem sequer definir seus conceitos…

    Enfim, gostaria de compartilhar isso aqui neste blog (e em outros) pois como lá eles não publicam os comentários fica difícil se expressar.

    Desculpe-me o dono do blog pelo importuno.

    Muito obrigado pela atenção.

    Daniel

  5. A reportagem do Valor, logo na sua introdução, afirma que os manufaturados tem perdido participação na exportação brasileira, nas vendas para Estados Unidos e América Latina. Não afirma que tem perdido mercado nos países citados. No decorrer da matéria, existem comentários do José Augusto de Castro da AEB e do Fabiano Silveira da RC Consultores no sentido de que o País perde competitividade e participação nos mercados de produtos industrializados na AL, sem fornecer maiores dados. Seria bom vc disponibilizar a fonte dos seus dados porque seus comentários, em sentido contrário aos dois personagens citados, também não aponta dados concretos. Os tres ficam em comentários sem apontar dados oficiais concretos.

  6. Alex,
    Perfeito os seus argumentos.

    O problema do mainstream e jornalistas de plantão é que a informação passada é mais fácil do que estudar a fundo o problema da economia brasileira. Esse estudo é mais um exemplo do lobby.

    O vilão do momento é o câmbio.

    A turma do controle deveria estudar um pouco mais a teoria economia para elaborar modelos melhores.

    Outro grande artigo que recomendo é do Domingos Crosseti Branda, que esclarece que o problema da desindustrialização do país nada tem a ver com o câmbio e sim da falta de poupança no setor de transformação do Brasil, devido a elevação do fluxo monetário.

    Quem quiser ler, segue o link: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1262

    Abraço e parabéns!
    Sérgio Ricardo

  7. Eu não sei mais o que dizer … a política da ceneta corre solta … hoje foi anunciada a nova canetada para "industrializar" o brasil – Alguns setores deixam de pagar os 20% de INSS que incidem sobre os salários dos seus trabalhadores. Ótimo, baixaram os impostos !!

    Ah… mas espere – tem a outra 1/2 da estórias: em troca, os setores vão contribuir com um alíquota equivalente a cerca de 1% do faturamento bruto.

    ahuahauahuah … Ou seja,

    dão com uma mão e tiram com a outra … a benesse só muda de nome e de lugar !!!

    Não é fantástico isso !! é a politica do ganho zero !

  8. "Os tres ficam em comentários sem apontar dados oficiais concretos"

    Hablas português?

    Eu apresentei dados e a AEB apresentou dados. O ponto é que os dados da AEB não porvam o que ela diz e os meus sim.

    Concretamente eles olham para a participação de manufaturados no total exportado para a AL, observam uma redução e afirmam que há perda de competitividade. É errado.

    Para avaliar a competitividade, o mínimo que você quer saber é se as exportações de manufaturados brasileiros estão ganhando ou perdendo participação de mercado nas importações latino-americanas de produtos manufaturados.

    A AEB não faz qualquer menção a isso; já eu mostro que a participação se manteve aproximadamente constante, mesmo se considerarmos (já que os dados não permitem este ajuste) apenas as importações ex-petróleo (que incluem outros produtos primários, como minério de ferro).

    "Não afirma que tem perdido mercado nos países citados"

    Eu posso estar meio desatualizado a respeito, mas, da última vez que olhei Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela faziam parte da América Latina. Aliás, representavam 3/4 das exportações para a região, o que sugere se tratar de amostra representativa (e como?). Mas me ilustre: estes países saíram da AL?

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