Além da muralha

No começo desta semana o Banco Central chinês (PBOC) anunciou sua intenção de retomar a trajetória de apreciação do Yuan que prevalecera entre meados de 2005 e a eclosão da crise, no terceiro trimestre de 2008. O comunicado do PBOC não dá muitas pistas sobre os próximos passos da política cambial chinesa, mas podemos esperar um processo moderado de apreciação, a exemplo do episódio anterior, durante o qual o Yuan se valorizou cerca de 20% ao longo de pouco mais de três anos.

Há, a bem da verdade, forte pressão internacional, em particular do Congresso americano, para que a China permita o fortalecimento de sua moeda e o próprio momento do anúncio da nova política (uma semana antes do G20) sugere que, ao menos parcialmente, a decisão possa ter ocorrido em resposta ao clamor dos parceiros comerciais.

Isto dito, é difícil acreditar que a China tomaria qualquer medida sem que esta, de alguma forma, a beneficiasse, ainda mais contra o pano de fundo de um enfraquecimento significativo do Euro nos últimos meses, que já reduz a competitividade das exportações chinesas.

O principal motivo parece ser o receio de nova aceleração inflacionária. Nos 12 meses até maio a inflação na China atingiu pouco mais de 3%, taxa que não parece ser particularmente elevada, mas que revela significativa aceleração. De fato, um ano antes a inflação ao consumidor era negativa (em torno de -1,5%), refletindo a queda dos preços das commodities naquele momento. Com a recuperação da economia mundial, em parte como resultado do próprio crescimento chinês, os preços das commodities voltaram a subir, traduzindo-se integralmente num aumento dos preços domésticos por conta da taxa fixa de câmbio contra o dólar. A prosseguir o crescimento chinês, portanto, é bastante razoável supor que as tensões inflacionárias, principalmente pelo lado das commodities, continuam elevadas.

Assim, ao permitir que sua moeda se aprecie, a China consegue atenuar o efeito dos crescentes preços domésticos de commodities e reduzir as pressões sobre a inflação. Note-se, porém, que, no caso da China, esta política é menos efetiva do que seria no caso de uma economia pequena (“pequena”, no caso, significa um país cuja demanda tivesse impacto insignificante sobre os preços internacionais).

Como mostrei em artigo anterior, uma apreciação do Yuan tenderia a aumentar os preços de commodities em dólares, dado o peso da demanda chinesa neste mercado. O efeito líquido (aumento de preços em dólares versus a apreciação da taxa de câmbio) teria, ainda assim, que resultar em queda de preços medidos em moeda local, pois senão a quantidade demandada pela China não cresceria, sem o quê os preços em dólares também não poderiam subir.

Desta forma, ainda que menos eficaz relativamente ao caso de economias pequenas, o fortalecimento da moeda é uma arma poderosa no sentido de conter pressões inflacionárias, bastante temidas pelas autoridades locais por seu efeito negativo sobre a renda dos mais pobres e a coesão social.

A alternativa seria promover novo aperto monetário, mas, como a China administra sua taxa de câmbio, este tenderia ser ineficaz. Seja porque a redução da demanda implicaria saldo maior nas contas externas, seja porque (em alguma medida) um aperto doméstico induziria empresas a buscarem crédito no exterior, os maiores ingressos de dólares resultantes desse aperto se tornariam fonte de expansão monetária, desfazendo as medidas iniciais.

Em outras palavras, o próprio regime cambial chinês limita severamente a eficácia da política monetária naquele país, deixando como alternativa antiinflacionária apenas o fortalecimento da moeda. Enquanto os fãs brasileiros das taxas de câmbio administradas associam o crescimento à moeda fraca, o PBOC, enfrentando um problema muito concreto, sabe muito bem onde está pisando.

(Publicado 23/Jun/2010)

28 thoughts on “Além da muralha

  1. Como leiga, só me resta um pouquinho de bom senso. Penso que a China está para seu câmbio assim como o Irã está para seus famigerados 1200 kg de urânio.
    Tudo parece complicado até que algo inevitávelmente concreto, se autorize a acontecer.

  2. Galera, não só o Oreiro não admitiu os erros grosseiros comentados aqui: http://maovisivel.blogspot.com/2009/12/o-sobre-desindustrializacao.html

    como publicou um artigo na sempre sensacional Revista de Economia Política repetindo os mesmos erros.

    Ele não é impressionante? É um super-herói.

    Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro
    José Luis Oreiro e Carmen A. Feijó

    http://www.bresserpereira.org.br/Terceiros/2009/09.12.Oreiro_Desindustrializa%C3%A7%C3%A3o_Brasil%20_2.pdf

  3. o Brasil não é uma economia pequena, no sentido descrito pelo artigo? Então esse mecanismo da apreciação cambial não seria o mais fundamental, no nosso regime de metas?
    abrçs

  4. "Então esse mecanismo da apreciação cambial não seria o mais fundamental, no nosso regime de metas?"

    São coisas diferentes. O que se pode dizer é que uma apreciação/depreciação cambial do Brasil terá efeito muito pequeno sobre o preço de commodities.

    Assim, uma apreciação cambial, dados os preços de commodities , seria mais efetiva que no caso da China. Como, porém, o Real flutua, em larga medida, em resposta a preços de commodities, o efeito das commodities sobre a inflação doméstica é bem diferente do caso chinês.

    De qualquer forma, os movimentos da inflação no Brasil, hoje, refletem mais fortemente o que ocorre do lado dos bens não-comercializáveis.

    Ficou claro?

  5. Pessoal,

    Eu não sei em quem votar.

    Toda hora que o Serra faz uma declaração parece que ele decorou o discurso dos quermesseiros. É desindustrialização para lá, câmbio para cá, queda brutal da taxa de juros acolá… no roda-via disse que a política monetária tem que ser feita com o "coração".

    Já a Dilma anda defendendo a prudência do BACEN na condução da política monetária em não fala de câmbio. Mas tem o histórico do PT, a questão do ranço socialista dessa galera.

    Eu to numa sinuca de bico… vocês não? Em quem vão votar?

    Até mais.

    Hugo

  6. "De qualquer forma, os movimentos da inflação no Brasil, hoje, refletem mais fortemente o que ocorre do lado dos bens não-comercializáveis.

    Ficou claro?"

    Está claro sim, obrigado. Mas então não se pode esperar relação entre o câmbio e os preços dos não-comercializáveis? Penso, por exemplo, nos aluguéis e tarifas de energia, telefonia, etc.

  7. "o Krugman escreveu um artigo na NYT em que ele defende não fazer política fiscal neste momento"
    Não é óbvia mesmo a escolha, pois alguns analistas defendem que aperto fiscal iria afundar as economias com incertezas: preços dos imóveis, solvência dos bancos, arrecadação. Ou seja, votaríamos a ver um ambiente terrível.
    Reforço a pergunta do anômimo acima.
    Abç

  8. " Mas então não se pode esperar relação entre o câmbio e os preços dos não-comercializáveis? Penso, por exemplo, nos aluguéis e tarifas de energia, telefonia, etc."

    Há um efeito, mas indireto e bastante defasado. A taxa de câmbio afeta preços por atacado, que, por sua vez afetam o IGP. O IGP influencia, em alguma medida, os preços regulados por contratos.

  9. A questão da política fiscal eh específica para cada pais. Os EUA gozam do privilegio de emitir o melhor ativo do mundo, então tem mais liberdade para ser mais expansivos na política fiscal.

    Outros países — e nisso o Krugman tem errado feio — não gozam desse privilegio. Os gregos, por exemplo, pensaram que podiam fazer política anticiclica quebraram a cara. Por outro lado, o Berlusconi talvez tenha sido o estadista que fez a decisão mais crucial para o futuro da economia mundial durante essa crise: ele entendeu que não havia espaço fiscal na Italia e disse não para o quase consenso do G20. Tivesse ele aderido a linha defendida pelos americanos e franceses, o mundo que conhecemos provavelmente já teria acabado — estaríamos discutindo agora a crise italiana, não grega.

  10. Disse o Belluzzo hoje em debate no auditório do BNDES que dizer que os chineses poupam muito é uma grande bobagem. Segundo ele o que acontece é que a produtividade deles é muito alta em relação aos salários (a ênfase foi na alta produtividade, não nos baixos salários).
    O mais triste é que ele é aplaudido depois.

  11. Alguem tem algum comentario ou opiniao sobre a evolucao dos spreads dos bonds gregos (sobre os alemaes) na ultima semana?

    Alexandre?

    PIG

  12. “Disse o Belluzzo hoje em debate no auditório do BNDES que dizer que os chineses poupam muito é uma grande bobagem.”

    Hahaha… sério mesmo é o maluco Belluzzo como presidente do Palmeiras.

    “Segundo ele o que acontece é que a produtividade deles é muito alta em relação aos salários (a ênfase foi na alta produtividade, não nos baixos salários).”

    Ele fala do que ele conhece… No time dele a produtividade é baixíssima e os salários são tão altos que o clube não consegue pagar…

    Belluzzo = Quermesseiro sem-vergonha.

  13. Mentira Careca!!! O cambio desvalorizado Chines permite uma taxa de investimento maior,o que melhora a eficácia da política monetária.

    Lucrécio

  14. O que me entristece não é nem a pataquada que o sujeito vomita, mas o fato de o BNDES aplaudir.

    Quanto às eleições, vamos lá, alguém compartilhe a angústia comigo:

    O Serra é mesmo o second-best, como alguns afirmam?

    Eu quero acreditar nisso, mas tá difícil…

  15. "O cambio desvalorizado Chines permite uma taxa de investimento maior,o que melhora a eficácia da política monetária"

    Gorgo Wappi

    Dako bo gu za-kut mado gom kordo.

    eta Bara! eta Bara! eta Bara!

  16. Alex cadê os efeitos dos gigantescos pacotes fiscais sobre a economia americana?

    O PIB foi revisado para baixo,vamos ter mais regulação,menos empregos…. que beleza hein?

  17. O PIB foi revisado para baixo,vamos ter mais regulação,menos empregos…. que beleza hein?"

    Sim, e entre as economias desenvolvidas foi a que se deu melhor. E, de qualquer forma, a pergunta, para variar, está errada: a correta é qual seria o desempenho dos EUA na ausência do pacote fiscal. Você sabe a resposta? Não? Então fica na jaula e pede para deixar alimentarem os macacos. Mas maneira na banana e só pelo buraco de cima.

  18. Não vejo menhuma possibilidade de se defender cambio fixo. Por isso gostaria de ver logo a implementaçao de restriçoes aos chineses, para que o jogo do comércio internacional fosse jogado sem virulas e malandragens problemáticas. Cambio flutuante, para mim, tem que ser a regra.

  19. Estaria pior no curto prazo porém no longo prazo estaria melhor.

    Os agentes percebem que as reduções são temporárias.Se as reduções fossem permanentes eles não reduziriam seu consumo no futuro.

    É só o governo extinguir a previdência social,acabar com o salario mínimo,acabar com seguro desemprego,para de gastar com ciência e tecnologia e diminuir os gastos com educação.

    Aí sim seria uma verdadeira redução de impostos.

  20. "Os agentes percebem que as reduções são temporárias.Se as reduções fossem permanentes eles não reduziriam seu consumo no futuro."

    Vou fazer de novo a velha pergunta Ivo: você acredita em equivalência ricardiana, ou só acredita quando quer?

  21. Depende da situação.As americanas famílias estão endividas,perderam seu emprego é natural que se eles receberam algum incentivo para conssumo hoje,esse consumo vai ser reduzido no futuro.

    Uma queda no IR de 15% para 13% vai ser interpretado de forma diferente pelos agentes.Eles vão entender que essa redução tende a ser permanente.

    Dando um cheque de 500 USD para cada familia gastar vai ser interpretado de outra.Eles vão perceber que a redução é temporária,vão antecipar a compra de um bem hoje e reduzir essa compra no futuro.

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