Uma parábola soberana
Imagine um produtor de um bem qualquer (soja, digamos), cuja demanda se encontra num excelente momento. Os preços estão altos, a produção se expande, e a renda do produtor não pára de crescer. Nosso produtor, porém, é vivido. Não é primeira vez que observa um momento favorável e sabe que, mais à frente, são grandes as chances que o ciclo se reverta. Considerando isto, faz uma escolha sensata: decide poupar parcela de sua renda corrente e investi-la, garantindo um fluxo de renda para o período das vacas magras.
Tratando-se, porém, de pessoa mais afeita às lides produtivas, contrata um consultor financeiro e lhe dá carta branca para implantar tal estratégia. Passado algum tempo resolve conferir o desempenho do consultor e descobre o seguinte. O consultor, ao invés de poupar a renda excedente, aumentou os gastos da família do produtor, da mesada dos filhos ao salário dos empregados. Por outro lado, tomou dinheiro emprestado e com ele comprou ações de um outro produtor de soja…
Não é necessária muita reflexão para perceber como ficou vulnerável a situação do produtor. No caso de reversão do ciclo, com queda de preço da soja, sua renda cairá, mas os gastos com juros permanecerão. Já seus ativos, cujo valor varia em linha com o preço da soja, se depreciarão e não protegerão seu patrimônio no momento de crise. Seria um exemplo clássico de má administração financeira.
Considere agora o Brasil e a proposta de criação de um Fundo Soberano. O país vive um excelente momento, parte por seus méritos, mas devido também a desenvolvimentos externos, em particular um aumento de quase 90% dos preços das commodities relativamente à média de 2002, commodities estas que, há muito, representam cerca de 2/3 das exportações brasileiras. A história nos ensina, porém, que situações como estas não duram para sempre, o que poderia justificar tal Fundo.
No entanto, assim como em nossa parábola, o projeto do Fundo Soberano não protege o país contra a reversão cíclica. Em primeiro lugar, ao invés de se originar da poupança de recursos públicos, favorecidos pela expansão da arrecadação, terá como fonte de recursos o endividamento interno, já que a receita adicional está sendo destinada ao aumento do gasto corrente.
Além disso, a despeito do contexto atual, no qual investidores estrangeiros se acotovelam para financiar empresas brasileiras, pretende-se que os recursos do Fundo sejam aplicados em ativos (dívida ou ações) associados a estas mesmas empresas. Ninguém precisa de uma bola de cristal para saber que, no caso de uma reversão cíclica, estes ativos também sofrerão, já que se movem em linha com os fundamentos brasileiros.
Não há, pois, como fugir à conclusão que o Fundo Soberano, da forma como apresentado, não serve ao país. Serve talvez para dar acesso a financiamento abaixo dos custos de mercado para algumas empresas privilegiadas e permitir que o Tesouro também intervenha no mercado de câmbio, mas equivale a guardar os ovos em duas cestas e uma dentro da outra.
A última do Sicsú (e do Pochman)…
foi promover um expurgo no Ipea. Aproveito o espaço para manifestar minha solidariedade aos pesquisadores afastados, congratular Guilherme de Barros pela denúncia do arbítrio e lamentar o manifesto sórdido do Corecon-RJ, que apóia o expurgo, desde que praticado por pessoas de ideologia semelhante à sua. Realmente deplorável.
(Publicado 28/Nov/2007)
Alexandre,
concordo inteiramente com os seus comentários sobre a criação do SWF tupiniquim. Acho que a eventual criação desse fundo pode fazer sentido daqui uns 5 ou 7 anos, caso o início da operação em grande escala do grande campo de petróleo recém-descoberto signifique que o Brasil passará a ser um grande exportador líquido desse produto (algo que pode não acontecer, dependendo do crescimento da demanda doméstica por petróleo e derivados), num contexto em que, nesse horizonte, o país já possuirá superávits nominais nas contas públicas.
Abraço,
Bráulio Borges
Perfeito Bráulio. Se Tupi for tudo o que esperam e pouparem estes recursos, ao invés de aumentar ainda mais os gastos, podemos ter um embrião de um SWF como deve ser feito.
Abs
Alex
Alexandre,
Qual é a fonte sobre a informação de que o SWF brasileiro captaria recursos da dívida interna? Segundo entrevista com Mantega, a FOLHA informou que a origem dos recursos “ainda não estava definida”. Outro ponto importante: segundo a mesma reportagem, a destinação não seria investimentos em fundos de empresas exportadoras (dívidas e ações), mas compra de dólares sobrando. Se o que afirma a reportagem for verdadeiro, então a criação do fundo, nessas linhas, é positiva (ainda que se argumente que há uma deturpação dos objetivos de um SWF tradicional, poder-se-ia contraargumentar que tais objetivos são sequer definidos — à exceção do fundo norueguês). Caso contrário, há que se concordar com sua coluna.
Abraço,
Roberto
Roberto:
Independente das formalidades orçamentárias, do ponto de vista econômicao só há duas fontes para financiar uma aquisição adicional de moeda estrangeira: (a) aumento do superávit primário; ou (b) aumento do endividamento doméstico. Como ninguém fala de aumento de superávit primário, só resta o endividamento doméstico.
Quanto à destinação, ela será sim em ativos emitidos por empresas brasileiras (não necessariamente exportadoras). Só que, para comprar ativos emitidos no exterior, é necessário que o Tesouro compre antes a moeda estrangeira.
Obviamente, parte da história do SWF é dar ao Tesouro a flexibilidade de intervir no mercado de câmbio em paralelo ao BC. Só que:
(1) Dada a oferta de moeda estrangeira, o Tesouro comprando mais implica menores vendas para o BC; e
(2) Quando as empresas que emitiram os papéis trouxerem os recursos, vão convertê-los de volta para real, desfazendo a intervenção do Tesouro.
Não bastasse isto, os ativos do SWF seriam altamente correlacionados ao risco Brasil. Do ponto de vista de administração financeira trata-se da bobagem que descrevi como “colocar os ovos em duas cestas e uma dentro da outra”.
Da forma como vejo, não há salvação para a proposta.
Abs
Alex
Caro Alex,
Gostaria muito de saber a sua opiniao sobre o merecido rebaixamento do timinho da marginal.
Um abraço,
Caro Anônimo:
Na minha modesta opinão o rebaixamento do time da plebe da marginal sem número é um evento que só perde em importância para o pentacampeonato tricolor.
Porém, como já tinha comemorado o título tricolor (há quatro rodadas), comemorei muito hoje o retorno do time da plebe às profundezas de onde nunca deveria ter saído.
Que fique por lá!
Abs
Alex
(bilú, quanta implicância contra o timão?!!!! spaulinos, tremei, o timão vai passar o ano treinando, colhendo os frutos que nem o grande fazendeiro da parábola, constituindo seu fundo soberano de craques e jogadas ensaiadas… quero ver Muricy segurar o rojão que vai ser turbinado lentamente, passo a passo no ano de 2008… y que venga 2009! 😉
uma pergunta séria: você acha que se o preço do petróleo começar a baixar demais, o Chávez periga de decretar guerra contra os EUA? seria um fator de alta, né? à faute de mieux… e os venezuelanos sem frango nem leite nos supermercados, parece piada… ou ficção, como diria o mago das palavras…
ah, prá você que gosta de aritmética: sabia que se juntasse todos os discursos pronunciados por Luizinácio desde que tomou posse, daria um total de 14 horas ininterruptas? eu sei, Fidel ainda detém o lugar no Guiness neste quesito…
faria um bem danado se essa gente falasse menos e, pelo menos, deixasse os outros fazerem mais, né?
Como diria o grande Luiz Melodia:
“Se a gente falasse menos
Talvez compreendesse mais”.
Certamente alguns falam muito e compreendem muito pouco.
No que se refere ao Chávez, não descarto nada. Agora, se o preço do petróleo balançar, para mim é bem claro quem irá cair…