Vultoso ou vultuoso, nisto ou naquilo. Por Josué Machado
VULTOSO OU VULTUOSO, NISTO OU NAQUILO
por Josué Machado
… para que ninguém se confunda, melhor considerar VULTOSOS por enquanto apenas os presentes em dinheiro que nossos representes ganham para votar nisto ou naquilo (mais naquilo), as aplicações bem feitas das empresas em proveito da pátria, os impostos tão bem distribuídos que nos tornam felizes, os aumentos salariais concedidos à elite…
A advogada tentava explicar como e por que a empreiteira cujos interesses defende havia concedido mimo$ variado$ a uns 15 ou 20 deputados e senadores para se dar bem em certas concorrências. E falou dos produtivos contratos resultantes em benefício do país:
“Os contratos foram vultuosos!” – justificou ela com ênfase profissional.
E repetiu mais adiante na cantilena cansativa dos argumentos:
“Foram todos contratos vultuosos!”
Sim, “VULTUOSOS”.
Ocorre que a primeira acepção de “VULTUOSO” é “acometido de vultuosidade”, que é “condição ou estado do rosto quando as faces e os lábios estão vermelhos e inchados, e os olhos salientes”, como lembra o Houaiss.
Vultuoso e vultuosidade são basicamente termos médicos.
Na verdade, a advogada bem paga tentava dizer “contratos VULTOSOS”, de vulto, que faz grande volume, avultado, volumoso.
Desses que as empreiteiras e o governo fazem e andaram fazendo com grande sucesso para elas e os políticos comprados ou alugados com dinheiro público para votar aqui, ali e acolá.
Mas tantas vezes essa advogada e outras pessoas distraídas usam VULTUOSO no lugar de VULTOSO que daqui a algum tempo serão sinônimos, porque a língua anda e rola.
Tanto que o Houaiss e dicionários portugueses, como o da Academia de Ciências de Lisboa, registram “vultuoso” também como sinônimo de vultoso – o Houaiss como segunda acepção, talvez algo envergonhada.
O que o Aurélio rejeita:
“vultuoso, (ô) [Do lat. vultuosu.] Adjetivo. 1. Med. Diz-se do aspecto da face quando está vermelha e tumefacta, e com os olhos salientes. [Confronte com vultoso.]”
Na raiz dessa mistura de significados está o fato de que uma coisa que incha e se avermelha, como o rosto vultuoso, tende a se avolumar, inchar, crescer e aparecer, no bom o no mau sentido.
Mas por certo a dama da lei não sabe disso. Até porque “vultuoso” vem do latim. vultuosus,a,um, que significa ‘carrancudo, de semblante carregado ou severo; em sentido figurado, muito grave, muito severo, como lembra o Houaiss. E os advogados deixaram de estudar latim há muito tempo.
Para quem gosta de definições, a semelhança entre termos como vultoso/vultuoso recebeu o nome simpático de paronímia.
Parônimos são termos semelhantes na escrita ou na pronúncia. Como estes outros: calda/cauda; deferir/diferir; descrição/discrição; emigrar/imigrar; eminente/iminente; infligir/infringir; onicolor/unicolor; osso/ouço; ratificar/retificar e outros muitos.
De modo que, por enquanto, para que ninguém se confunda, melhor considerar VULTOSOS por enquanto apenas os presentes em dinheiro que nossos representes ganham para votar nisto ou naquilo (mais naquilo), as aplicações bem feitas das empresas em proveito da pátria, os impostos tão bem distribuídos que nos tornam felizes, os aumentos salariais concedidos à elite das classes que administram o país, ou melhor, que mandam no país, assim como seus gordos ganhos e penduricalhos gordos.
Só falta o auxílio-fraldão. Ou não falta mais?
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade